3.Ajuste fiscal dos tucanos em Minas não resultou do “choque de gestão”, mas da compressão da remuneração dos servidores

11/07/2015 | Minas Gerais

No período em que governaram Minas gerais, de 2003 a 2014, os tucanos usaram argumentos duvidosos para isolar Minas Gerais no tempo e no espaço. Diziam que os problemas de Minas eram de gestão, por isso o “choque de gestão”, mas isentaram os governos anteriores de responsabilidades pela desorganização das finanças do Estado. Ou seja, isolaram Minas no tempo para não desgastar os governadores aliados que os antecederam Aécio: Itamar Franco e Eduardo Azeredo. Os tucanos isolaram também Minas Gerais no espaço, creditando a uma suposta política econômica local, e não à política macroeconômica dos governos do PT, especialmente de Lula, o maior crescimento da economia e a maior geração de empregos e renda. Ou seja, isolaram Minas no espaço para preservar o governo FHC e o PSDB junto aos mineiros. Como veremos, as melhorias acontecidas em Minas Gerais no período de 2003 a 2014 estão estreitamente vinculadas às políticas dos governos do PT, enquanto a estagnação do Estado, de 1995 a 2002, tem tudo a ver com as políticas adotadas no plano nacional pelo governo FHC.  

As versões simplistas dos tucanos mineiros 

As explicações dos governos Aécio Neves e Antônio Anastasia para bons indicadores, sobretudo econômicos, sociais e fiscais, do Estado no período de 2003 a 2014 é de um simplismo inacreditável, creditando ao “choque de gestão” os supostos milagres acontecidos em Minas Gerais. A história contada pelos tucanos é mais ou menos assim: a) Aécio Neves tomou posse no início de 2003, com as finanças do Estado destroçadas, com déficit nas suas contas, atrasos no pagamento dos servidores e sem capacidade de investimento; b) o governo mineiro adotou o “choque de gestão” que, já em 2004, propiciou o “déficit zero” e equilibrou as contas do Estado; c) com as contas equilibradas, o governo mineiro retomou a capacidade de investimento e liderou o desenvolvimento de Minas; d) como Aécio e Antônio Anastasia eram “mais competentes” do que o presidente Lula e Dilma, Minas cresceu acima da média nacional. Se não fosse a lógica da disputa política poderíamos qualificar de mal agradecidos os governadores tucanos em relação aos governos do PT, especialmente ao governo Lula. 

Se os problemas de Minas eram de gestão, de quem foi então a “herança maldita”? 

Os governos Aécio Neves e Antônio Anastasia subestimaram a inteligência dos mineiros ao afirmarem que o bom momento vivido pela economia mineira, pela geração de empregos e pelas finanças do Estado, entre 2003 e 2014, se deveu, exclusivamente, ao “choque de gestão”. Afirmamos que estas melhorias pouco ou quase nada têm a ver com o “choque de gestão”. O simplismo a que nos referimos anteriormente começa com o isolamento de Minas Gerais da realidade nacional, como se isso fosse possível. É verdade que as finanças do Estado estavam destroçadas em 2003. Mas isso, como veremos a seguir, se deve, em grande medida, às políticas macroeconômicas de Fernando Henrique, do PSDB. 

A pergunta é óbvia: se o problema de Minas Gerais era, essencialmente, de gestão, como sustentam os tucanos mineiros, se não eram resultantes da condução do Brasil no governo FHC, se a desorganização das finanças estaduais era resultado apenas da gestão do Estado, de quem é então a “herança maldita”? O raciocínio tucano de isolar Minas do restante do país, conduz a uma conclusão inevitável: se as finanças estaduais estavam desorganizadas, se os salários eram pagos com atraso, se a dívida pública mineira entrou em moratória, se havia  ausência de investimentos, tudo isso resultou da incompetência dos governos anteriores. E quem antecedeu Aécio Neves? Itamar Franco, Eduardo Azeredo, Hélio Garcia, etc., todos aliados ou membros do PSDB em Minas Gerais. 

 O ex-governador Itamar Franco, por diversas vezes, contestou os tucanos sobre essa questão. O último desconforto entre Aécio e Itamar foi relatado por Ricardo Noblat em seu blog: “O ex-presidente Itamar Franco disse ao governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), que ‘choque de gestão é conversa fiada’. (...) “Em entrevista ao programa ‘É Notícia’, da RedeTV!, Itamar revelou ter enviado um bilhete a Aécio depois que viu uma crítica dele na imprensa sobre sua administração em Minas Gerais (1999-2002)”. (...) “Segundo Aécio, ele recebeu de Itamar um estado com as contas públicas desorganizadas e com dificuldade para pagar o salário do funcionalismo” (...) “O ex-presidente, que apóia a pré-candidatura presidencial de Aécio, lhe enviou o bilhete, cujo teor não quis revelar. Mas disse que falou com Aécio que julgava ‘conversa fiada’ a expressão ‘choque de gestão’, um dos motes do governador mineiro para tentar ser candidato ao Palácio do Planalto” (Blog do Noblat, 1/03/2009). É difícil explicar porque Itamar Franco, tão maltratado pelos tucanos, defenestrado como pai do Real e como governador de Minas, se tornou um aliado dos tucanos, anti-petista e anti-peemedebista. 

Como pode ser vistos em outros textos nesta seção sobre Minas Gerais, os indicadores econômicos, sociais e fiscais das gestões de Eduardo Azeredo e de Itamar Franco à frente do governo de Minas Gerais são muito ruins. Não é coincidência que isso tenha acontecido durante os oito anos de Fernando Henrique na presidência da República. No período de 1995 a 2002, a economia mineira teve um baixo crescimento, as exportações ficaram estagnadas, a geração de empregos de carteira assinada foi pífia, a dívida pública foi renegociada em condições muito ruins, a violência (crimes violentos e homicídios) teve uma elevação sem precedentes na história do Estado, os atrasos de pagamentos dos servidores eram comuns e a capacidade de investimento era quase nenhuma. Temos profundas divergências com os governadores que antecederam a Aécio Neves, em particular com Eduardo Azeredo. Mas é um exagero debitar todos os problemas de seus governos à suposta gestão caótica das finanças estaduais. Não existe ajuste fiscal milagroso, que possa ser construído através de choques. O melhor ajuste fiscal é o crescimento da economia com suas repercussões positivas sobre a receita pública e com a inclusão social, sobretudo com mais emprego e renda para as famílias. 

O ajuste fiscal em oito anos, de 2003 a 2014, foi de bilhões. Entretanto, sempre que quantificam os valores economizados com o “choque de gestão”, as cifras não passavam de alguns milhões (ver o livro “O choque de gestão em Minas Gerais”, coordenado por Renata Vilhena). As despesas públicas são divididas em quatro blocos: pessoal, custeio, pagamento da dívida e investimentos. O alegado ajuste não foi feito no pagamento da dívida, já que seus encargos são fixos de 13% da receita do Estado. Também não foi feito nos investimentos, já que Minas investia muito pouco e o principal objetivo do ajuste fiscal era exatamente aumentar este tipo de gasto. Não houve qualquer ajuste expressivo nas despesas de custeio da máquina, já que essas despesas são muito inflexíveis. Assim, o ajuste fiscal mineiro, que os tucanos chamam de “choque de gestão”, foi, na verdade, uma contenção forte das despesas de pessoal, que subiram em percentuais muito inferiores ao avanço da receita no período de 2003 a 2014. Veja a tabela. 

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Como se vê na tabela anterior, o eixo estruturante do ajuste fiscal mineiro não foi o “choque de gestão” nas despesas de custeio, mas a contenção das despesas de pessoal. Enquanto a receita do Estado, em função do bom desempenho da economia nos governos do PT, subiu, entre 2002 e 2014, de R$ 12,542 bilhões para 47,644  bilhões, um crescimento de 280%; as despesas de pessoal do Poder Executivo, no mesmo período, tiveram um crescimento muito menor: passaram de R$ 7,735 bilhões para R$ 20,718 bilhões, uma evolução de 167%. No ano de 2010 para 2011, quando as despesas de pessoal recuaram de 48,61% para 38,85% da receita corrente líquida, aconteceu uma “pedalada fiscal” dos tucanos mineiros, que foi um ajuste contábil nas despesas com aposentadorias e pensões. Mesmo desconsiderando esta pedalada fiscal, a receita subiu muito mais do que as despesas de pessoal. 

Essa diferença entre crescimento da receita e das despesas de pessoal possibilitou ao Estado uma economia superior a R$ 4 bilhões. Saiu daí, das despesas de pessoal, os R$ 4 bilhões que o Estado investiu anualmente em obras. Verdade que a redução forte das despesas de pessoal enquanto percentual da receita corrente líquida teve base legal, já que a Lei de Responsabilidade Fiscal limita esse percentual em 46,55% no caso do Poder Executivo, sendo que em 2002 o percentual atingiu 61,67%. Mas daí a creditar a retomada da capacidade de investimento ao “choque de gestão” não faz sentido.  

Autoria: A série sobre o diagnóstico econômico e social de Minas Gerais é de autoria de José Prata Araújo, economista mineiro. Veja outros posts da série no site www.mariliacampos.com.br, seção “Minas Gerais”. 
 
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