Aldo Fornazieri: "A lucidez de Lula e o PT"

18/07/2015 | PT

Jornal GGN – 29/06/2015

Lula, como líder partidário ou como presidente da República, sempre esteve à frente do PT na visão dos problemas políticos, na detecção dos desafios do país e na proposição de políticas e estratégias para enfrentá-los. A astuciosa lucidez de Lula se manifestou mais uma vez na semana passada, em debate com o ex-primeiro ministro espanhol, Felipe Gonzalez. O líder petista teve a coragem de fazer uma dura autocrítica e crítica ao partido, pois este não quis fazê-la em seu V Congresso, preferindo a “paz dos cemitérios”, a omissão perante a crise e a impotência quanto à necessidade de renovar-se e refundar-se.

Ao contrário do que é comum nos políticos e até mesmo em militantes, Lula não se eximiu de suas responsabilidades ante o cenário de apatia e desorientação que circunda o PT. Lançando mão de um discurso duro, ele evitou a autocondescendência típica dos acomodados, daqueles que preferem afundar-se moral e politicamente a reconhecer erros e estabelecer novos recomeços e buscar novos caminhos. As constatações de Lula foram inclementes e deveriam servir de advertência para o PT e sua militância, estimulando-os a abandonar o rosário de argumentos pueris que apresentam para justificar seus erros.

A Perda de Utopia e a Corrupção

Não foi a primeira vez que Lula chamou a atenção para este duplo problema. Aliás, ao contrário da interpretação da mídia, o discurso de Lula não teve por objetivo se afastar do governo Dilma. Quem acompanha os discursos e as declarações do ex-presidente sabe que ele já vem fazendo afirmações com o mesmo teor desde a campanha eleitoral de 2014. Ao constatar que o PT perdeu a utopia, ou por “defeito nosso, ou do governo”, Lula vinculou esse tema com a corrupção: “Hoje a gente só pensa em cargo, a gente só pensa em emprego, a gente só pensa em ser eleito...”.

De fato, se entendermos a utopia como uma proposta, um discurso, orientado para o futuro, com o objetivo de conferir direção e sentido a um país, a uma sociedade ou a um grupo social, é forçoso reconhecer que o PT não tem quase mais nada a dizer. A centralidade do discurso petista é o passado, aquilo que já foi feito, principalmente durante o governo Lula. Quando isto acontece, o ator político evidencia a impotência no presente e as tendências de declínio. Torna-se incapaz de desencadear as energias mobilizadoras da esperança, de agregar forças para os novos empreendimentos. Em se tratando de um partido, expressa a burocratização, a oligarquização, a acomodação de interesses e o conservadorismo.

É precisamente isto que Lula constata quando vem afirmando que o PT se tornou um partido igual aos outros, que só pensa em cargos, em eleições, em empregos e que se transformou em máquina de fazer dinheiro. Essas preocupações expressam uma corrupção de princípios, um abandono da utopia e uma derrapagem para a corrupção no sentido estrito do termo. Numa circunstância dessas, os interesses particulares e individuais se sobrepõem aos interesses coletivos e aos interesses do bem comum do povo. Perde-se a perspectiva dos fins e os meios tornam-se os fins.

Sem utopia, sem a “fantasia concreta” de que falava Gramsci, sem a potência mobilizadora da esperança, o partido se fecha em si mesmo e deixa de ter a capacidade de atrair os jovens. Se a utopia é a potência mobilizadora do futuro, os jovens são o futuro.  “Nós não conseguimos nem fazer jovens para ocupar o nosso lugar – e o PT já foi um partido cuja maioria era de jovens com menos de 30 anos. A gente está velho.  Já estou cansado, estou falando as mesmas coisas que falava em 80. E fico pensando se não está na hora de fazer uma revolução nesse partido. Nós temos que definir se nós queremos salvar a nossa pele e nossos cargos ou nós queremos salvar o nosso projeto”, advertiu Lula. Um partido que perde a juventude, perde o futuro. Um partido que coloca os cargos acima do projeto é um partido corrompido, um partido que está morrendo. O PT não perdeu apoio apenas na juventude, mas também na sociedade em geral. A sua preferência, que era de 29%, caiu para 11%, segundo o Datafolha.

Natureza Política da Crise

Lula acerta também quando afirma: “Eu entendo a aflição política que existe no Brasil. Acredito que seja mais por motivo político do que pela situação econômica”. Certamente, a crise política, a falta de direção, a ausência de um plano de ação do governo e a sucessão de denúncias envolvendo o PT, outros partidos, as empreiteiras e a Petrobrás degradaram o ambiente político do país. Este ambiente afeta a economia articulando duas crises – uma política e outra econômica – que se alimentam mutuamente.

A natureza política da crise se evidencia por duas razões: 1) a incapacidade do governo de dar resposta à dupla crise – política e econômica; a imobilidade do governo e da presidente Dilma, que não conseguem atuar politicamente, articular setores e agregar forças e movimentos; a impotência do PT e do governo em responder as acusações e os vazamentos seletivos das delações premiadas; a incompetência do PT e do governo em confrontar a parcialidade e a falta de isonomia nas investigações da Polícia Federal e do Ministério Público. Ao assim se omitirem, PT governo passam o recibo de que são culpados; 2) a oposição vive de dedo em riste contra o PT e o governo sem ter moral para tanto, pois vários líderes e governos de partidos oposicionistas também estão envolvidos em graves denúncias de corrupção. Trata-se de uma oposição sem propostas e sem propósitos, cuja ação se reduziu à incitação do ódio. Ela não é capaz de oferecer uma alternativa para o país. O PSDB, de partido da responsabilidade fiscal, tornou-se o partido da irresponsabilidade fiscal e aposta no quanto pior melhor.

Diante desse cenário e da natureza política da crise, existem cinco possíveis desdobramentos: 1) o PT faz a revolução interna pregada por Lula, reconhece seus erros e aposta na construção programática e estratégica, redefinindo o seu projeto; 2) emerge um novo bloco de forças progressistas e renovadoras, capaz de apresentar-se como alternativa ao PT e ao PSDB; 3) o PSDB abandona sua conduta jihadista e vingativa e renova seu projeto social-democrata; 4) a direita conservadora consegue viabilizar-se como alternativa; 5) “tudo permanece como está para ver como é que fica”. Em sendo o Brasil um país mal fundado, carente de cultura política republicana, estrutural e culturalmente corrupto, acostumado a mudanças e transições conservadoras que mantêm as elites predatórias no poder, um país que aceita e naturaliza as suas tragédias, o mais provável é que a quinta possibilidade pontifique. Nesse contexto, seja de quem for o comando político do país, a diferença não será substancial.

Aldo Fornazieri – Professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

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