Bares de Belo Horizonte. Público LGBT sai do armário e migra para “lugares héteros”

16/10/2015 | Políticas de igualdade

Para donos de bares LGBTs, aceitação a homossexuais provocou mudança de comportamento

Rafael Rocha 

Jornal O Tempo – 27/09/2015

Bares e baladas gays foram fundamentais no processo de autoaceitação da homossexualidade do analista de sistemas Stênio Morais, 36. “Eu estava me conhecendo e experimentando, então não podia me expor em qualquer lugar. Eu ainda não estava certo se era isso mesmo que eu queria”, lembra. Dez anos se passaram e, além da certeza de gostar de pessoas do mesmo sexo – ele acabou de decidir que vai se casar com seu companheiro –, Morais tem outra convicção: não precisa mais ir aos lugares gays para manifestar sua sexualidade com tranquilidade.

O comportamento do analista de sistemas reflete o que pode ser uma mudança de comportamento do público homossexual de Belo Horizonte, que, cada vez mais, tem saído da toca gay e se arriscado a frequentar bares e baladas, até então, tidos como heterossexuais.

Essa situação foi vivida por Morais, que, curiosamente, parou de frequentar a cena gay assim que se assumiu homossexual. “Prefiro ir a bares de rock, mas beijo meu namorado normalmente e nunca sofri nenhuma reação que me assustasse”.

Conforme avaliam clientes e empresários do setor, o fechamento de alguns bares e baladas gays, nos últimos 12 meses, que fizeram fama na capital pode ter relação com essa aceitação maior que os homossexuais vêm tendo nos demais ambientes. E exemplos dessa mudança não faltam. Entres os estabelecimentos que baixaram as portas total ou parcialmente aparecem Anda, no bairro Santo Antônio, On Board, no Santa Agostinho – ambos na região Centro-Sul –, e Estúdio da Carne, no Santa Efigênia, na região Leste da capital.

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Mudança. A proprietária do Anda, a empresária Denise Martins, aponta a possibilidade de o gay não mais ficar restrito aos guetos como um dos fatores que minaram o sucesso do estabelecimento, que viveu dias áureos ao reunir até 600 pessoas, que se espremiam na casa durante as noites de sábado no período entre 2002 e 2013. “O público gay está migrando muito para as casas heterossexuais. Hoje, um casal homossexual senta em qualquer bar, e ninguém pode falar nada, por isso essa caída nos lugares gays”, avalia. 

Com 20 anos de experiência no ramo, Denise viu como saída abrir o leque de possibilidades e também realizar eventos voltados ao público heterossexual. “Agora o local só funciona esporadicamente, e também recebo eventos para o público hétero”, diz.

A empresária Elizabeth Rocha, dona do Villa Paraty, bar situado no bairro de Lourdes, na região Centro-Sul da capital, também sentiu no bolso a mudança de comportamento do público gay. “Há dois anos e meio noto que o movimento vem caindo uns 40%, e não é só por causa da crise”.

No ano passado, Elizabeth chegou a abrir o Afrodite, sua segunda casa do ramo, mas o objetivo de se tornar mais um point gay da cidade não foi alcançado. “Lá abriu para ser gay, mas não pegou como queríamos. Acabou atraindo mais os héteros”, afirma.

Aceitação ainda está restrita

Ainda que clientes e empresários avaliem que gays estejam sendo mais aceitos em ambientes de frequência maciçamente heterossexual, o professor Luiz Morando, pesquisador da memória LGBT da capital, entende que esse tipo de aceitação é restrito a alguns lugares da cidade.

“Acho que é um mito essa visão de que o contexto atual estimula maior liberdade de convivência e compartilhamento de espaços entre gays e não gays”.

Para ele, avanços que os homossexuais têm conquistado na área jurídica, como o reconhecimento da união civil, levam a uma conclusão equivocada. “É uma fantasia achar que os gays estão sendo mais aceitos, pois, ao mesmo tempo, notamos uma onda contrária do movimento religioso que atua no Legislativo”, argumenta.

O professor também critica o que seria uma interpretação balizada pela vivência na região mais nobre da capital. “Uma coisa é gays andarem de mãos dadas na Savassi. Mas vai fazer isso na (avenida) Paraná”, diz.