Daniela Tiffany - Sem retrocessos: por mais poder, participação e direitos para as mulheres!

05/11/2015 | Políticas de igualdade

O ano de 2015 está sendo importante para as mulheres mineiras, não apenas por ser um ano de Conferências, mas porque conquistamos uma Subsecretaria de Política para as Mulheres (SPM-MG), organismo governamental responsável pela formulação e implementação das políticas públicas para este segmento. Vinculada à estrutura da Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Participação Social e Cidadania (SEDPAC), a SPM-MG tem como atribuição a construção de políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres e de promoção da sua autonomia econômica, tendo como bases a articulação intersetorial, transversalidade de gênero, atenção à diversidade e diferenças entre as mulheres, descentralização e territorialização das políticas públicas, a partir de uma nova perspectiva de gestão governamental.

Na 4ª Conferência Estadual de Políticas para as Mulheres (CEPM), realizada em Caeté de 27 a 29 de outubro, delegadas eleitas nas Conferências Municipais, autoridades, colaboradoras e convidadas, estiveram presentes para avaliarem os avanços e desafios das políticas para as mulheres em Minas Gerais, a fim de torná-las mais efetivas em todos os 17 territórios de desenvolvimento de Minas Gerais: Noroeste, Norte, Médio e Baixo Jequitinhonha, Mucuri, Alto Jequitinhonha, Central, Vale do Rio Doce, Vale do Aço, Metropolitana, Oeste, Caparaó, Mata, Vertentes, Sul, Sudoeste, Triângulo Norte e Triângulo Sul. Também se reuniram para discutir, deliberar e encaminhar propostas para o fortalecimento destas políticas em âmbito nacional.

Desde o lançamento da Conferência Estadual em junho deste ano, 92 municípios mineiros sediaram conferências locais ou regionais, reunindo representantes de 249 cidades. Considerada toda a diversidade de um grande Estado como o nosso e as suas muitas especificidades, as propostas apresentadas nestas etapas subsidiaram as discussões e deliberações consideradas mais representativas para as mineiras, apontando caminhos e mecanismos que pudessem contribuir para a promoção da igualdade de gênero e a melhoria das condições de vida das mulheres em nosso Estado. Os eixos discutidos na 4ª CEPM foram:

 

I. Igualdade no mundo do trabalho e autonomia econômica das mulheres;

II. Educação inclusiva, igualitária e democrática;

III. Saúde integral das mulheres e garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos;

IV. Enfrentamento a todas as formas de violência contra as mulheres;

V. Desenvolvimento sustentável com democracia, justiça, autonomia, igualdade e liberdade;

VI. Democratização da comunicação e do acesso das mulheres à cultura.

 

Como resultado das discussões realizadas nos grupos de trabalhos, foi possível constatar que são significativas as diferenças dos salários pagos a homens e mulheres, mesmo quando estas apresentam mais anos de estudo e cumprem os requisitos formais para o exercício de funções ainda valoradas como se fossem típicas do masculino, incluindo o acesso a cargos de chefia, liderança e representação política, em diferentes esferas. E mesmo para aquelas que conseguem romper com muitas das barreiras reais e simbólicas, as diferenças costumam prevalecer na desproporcionalidade e acúmulo de jornadas de trabalho, dentro e fora de casa. Reivindicar por melhores condições de salário, pela adequação da jornada de trabalho, por acesso à capacitação profissional e condições de estudo em horários compatíveis, assim como a garantia de creches para os filhos de 0 a 03 anos, são apenas algumas necessidades para a promoção da igualdade no mundo do trabalho e autonomia econômica das mulheres.

Considerando que muitas das reconfigurações nas relações de trabalho prescindem de reformulações no campo educacional, é fundamental que continuemos a interpelar os modelos tradicionais de ensino que ainda vinculam a aprendizagem a características tidas como inatas ao sexo biológico. Atribuir aos meninos o interesse e habilidades para a ciências exatas e educar as meninas para as áreas vinculadas às práticas do cuidado, por exemplo, contribuem para a perpetuação da divisão social do trabalho e para a naturalização de desigualdades. Ampliar as perspectivas educacionais para ambos os sexos, é importante também para que possamos questionar uma lógica estanque que configuram papéis sociais impostos a ambos os sexos.

Adentramos aqui em outros aspectos importantes que estiveram presentes em muitas das nossas discussões: garantia dos direitos sexuais e reprodutivos para as mulheres, para muito além daqueles vinculados à maternidade e aos direitos das crianças. Os direitos das mulheres devem respeitar as decisões sobre a vivência da sexualidade, independente da finalidade reprodutiva. Devem ser respeitadas também as escolhas que não contemplem a gestação, bem como o direito à orientação para a contracepção em casos de violência sexual e para a interrupção da gravidez em todas as situações já assegurados pela legislação. Daí o repúdio ao projeto de lei (PL) 5069/13, de autoria de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que modifica a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual. Precisamos também encarar como menos moralismos as reivindicações pelo direito ao Aborto Seguro, a fim de garantir a assistência médica e o acompanhamento adequado para as mulheres que acabam se submetendo a riscos de morte quando recorrem a procedimentos ilegais e abortivos. Outras questões importantes que também foram discutidas no campo da saúde das mulheres foram o acesso a exames específicos que possam diagnosticar precocemente doenças, tais como o câncer de mama e colo de útero, possibilitando o devido tratamento no Sistema Único de Saúde.

E enquanto buscamos avançar da garantia dos direitos relacionados à saúde, não podemos esmorecer na luta pelo enfrentamento as diferentes formas de violência que colocam em risco a vida das mulheres. De acordo com dados divulgados em agosto de 2015 pela Secretaria de Estado de Segurança Pública de Minas Gerais, em média, 17 mulheres são mortas por dia, sendo muitas delas vítimas de seus maridos, companheiros e namorados. Pesquisa divulgada pelo Ministério da Justiça confirma que dentre as mulheres assassinadas, muitas delas são jovens com idades entre 18 e 24 anos. Tais dados comprovam que as mulheres estão vulneráveis à violência fora, mas, sobretudo, dentro de suas próprias casas, tendo como agressores pessoas com as quais estabeleceram relações de intimidade. A suscetibilidade à violência deixa marcas e sequelas imensuráveis, que exigem a atenção do Poder Público para o acolhimento e assistência qualificada a estas mulheres para que elas encontrem possibilidades para romperem com os ciclos de violência, não podendo ser revitimizadas pela ausência de atendimento qualificado e o estabelecimento eficiente das medidas protetivas conforme previsto em legislação específica, Lei Maria da Penha (11.340/06).

Reconhecendo que a violência se manifesta em diferentes formas e configurações, torna-se importante destacarmos na elaboração de um Plano Estadual de Política para as Mulheres as características locais e as especificidades a que estão submetidas às mulheres nos 17 territórios de Minas Gerais. Mulheres do campo, dos quilombos, dos vales, das comunidades tradicionais. Mulheres que sustentam suas proles com a agricultura familiar, que são força de trabalho mal remunerado para o desenvolvimento econômico do nosso estado e que lutam pela subsistência e sobrevivência, enquanto são submetidas aos modos mais arcaicos de violências. E para além de nossas propostas, precisamos assegurar investimentos em Políticas Públicas que melhorem as condições de vida destas mulheres e de suas famílias. Nossas discussões e nossa mobilização em prol de uma sociedade mais solidária e sustentável, provém do reconhecimento de que a ampliação de acesso a recursos, à justiça, autonomia e liberdade para um número cada vez maior de mulheres, deve ser um compromisso dos governantes com a democracia e o desenvolvimento social.

E para que de fato passamos conviver em uma sociedade menos violenta e desigual, torna-se imprescindível que disputemos espaços nos meios de comunicação para que possamos incidir numa cultura disseminada de desvalorização do real poder das mulheres a partir da supervalorização de padrões estereotipados de feminilidade. Disputar tais espaços significa intervir na desconstrução de um imaginário social que tende a enaltecer o poder masculino, destacando o sucesso e o protagonismo do homem enquanto produtor de conhecimento e referência força, saber e poder. Dar lugar a produção cultural feminina é também uma importante estratégia para deslocar a centralidade do que é tido como natural, possibilitando novos referenciais, linguagens e estéticas para as artes de maneira geral. Toda a disputa por espaços implica em disputa por poderes instituídos que precisam ser contestados para que possam se reconfigurar. E o que buscamos a partir das nossas proposições é uma reestruturação de nossa sociedade, reivindicando igualdade de oportunidade e direitos, em respeito às nossas diferenças, divergências e diversidades.

Em 2016 estaremos representado Minas Gerais na 4ª Conferência Nacional que será realizada em Brasília-DF. A partir do mote “Mais poder, participação e direitos para as mulheres”, identificamos os horizontes para os quais se orientam nossos anseios e ações. E, para além disso, também teremos a oportunidade de refletir ao lado de mulheres de todo o país sobre as conquistas alcançadas até aqui e sobre o quanto ainda precisamos avançar. Mas, afinal, o que tanto queremos se já conseguimos tanto nos últimos anos? Tal indagação é derivada de uma perspectiva depreciativa que comumente atribui a insatisfação e a falta como características típicas do feminino.

Entretanto, em um momento de Conferência, a pergunta “O que querem as mulheres?”, configura-se como uma relevante questão política. E, como somos muitas e diversas entre nós, múltiplas também foram as demandas e reivindicações apresentadas. Apesar das tensões e dos entraves para o consenso, é inegável a importância destes processos participativos e democrático para a consolidação de políticas públicas para as mulheres, tornando-as mais abrangentes e efetivas.

Considerando a atual conjuntura política e econômica do Brasil e do nosso Estado, é importante que consigamos interpretar com clareza as demandas das mulheres num contexto de lutas pela garantia dos direitos humanos universais, reconhecendo o que é próprio de nossas lutas. Falar dos direitos de categorias tradicionalmente marginalizadas e oprimidas, implica em um reconhecimento de uma história de discriminação e opressão, além de formalizar um compromisso ativo para a reversão de situações de desigualdade e violência a que ainda estão submetida as mulheres.

E o quê ansiamos é exatamente que o Poder Público se comprometa com a garantia dos direitos das mulheres, porque, apesar dos avanços observados desde a 1º Conferência Nacional realizada em 2004 até a reformulação do Plano Nacional de Política para as Mulheres, quadriênio 2013-2015, observamos a recorrência de pautas que acabam por denunciar a persistência da desigualdade de gênero e o quanto ainda é deficitário os serviços de atendimento e proteção às mulheres vítimas de violência na grande maioria dos municípios brasileiros. E ainda precisamos lutar contra os riscos de retrocessos que tentam se impor contra todas nós. Mas seguimos em luta contra desigualdade e violência! Continuamos em luta contra a opressão persistente, exatamente porque avançamos a despeito das condições adversas e sabemos que podemos conquistar muito mais!

*Daniela Tiffany é mestre em psicologia social e assessora parlamentar de políticas para mulheres do mandato da deputada Marília Campos

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