Daniela Tiffany: “A Violência tem Sexo e Domicílio!”

13/11/2015 | Políticas de igualdade

Foi divulgado ontem o Mapa da Violência 2015, Homicídio de Mulheres no Brasil. Os dados comprovam o crescimento das taxas de mortalidade entre mulheres vítimas de violência praticada por seus maridos, namorados e ex-companheiros. Das relações constituídas via anseio do afeto, permanece para as mulheres o risco da vitimização letal, com pouca ou nenhuma chance de efetiva proteção.

Apesar de todos os avanços no campo legislativo, como a aprovação da Lei Maria da Penha em agosto de 2006, precisamos assumir que não temos conseguido coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher em nosso país. Há de se indagar, entretanto, por quais razões o tema da persistência desta violência parece provocar mais incômodo quando se trata de questão para redação do ENEM, do que quando se apresenta enquanto retrato de uma triste realidade.

Quando analisamos os dados de criminalidade do Brasil nos últimos anos, percebemos um crescimento geral nas estatísticas criminais e um clamor por reformas legislativas, aumento da punição e redução da maioridade penal, por exemplo. Mas em se tratando da violência contra a mulher, precisamos reconhecer que nem a previsão legal de aumento no tempo de pena e punição para o agressor, nem a aprovação da Lei do Feminicídio (LEI Nº 13.104/2015) que tipifica como hediondo e agravante os crimes cometidos em situações específicas de vulnerabilidade (gravidez, menor de idade, na presença de filhos, etc.), têm impactado significativamente na reversão deste grave problema social.

Vale ressaltar, inclusive, que aqueles capazes de agredir e matar suas mulheres dificilmente se reconhecem como criminosos e assassinos, evocando para si próprios a legitimidade da violência em defesa da própria integridade ou honra. Alguns chegam a se declararem vítimas das mulheres que agridem, como se estivessem apenas se defendendo dos ataques e recusas daquelas que deveriam sempre se subordinar.

Não é incomum que os homens evoquem para si o direito de serem assistidos por leis que os protejam das mulheres. Entretanto, não há registro ou estatísticas que demonstrem que seja tão perigoso para os homens as relações afetivas, quanto são para as mulheres. O perigo não está nas ruas, no desconhecido, nos horários tidos como não convencionais para aquelas do sexo feminino. O risco está em casa, provém daquele que um dia foi tido como companheiro e irrompe-se a qualquer tempo, mediante ameaças ou sem possibilidade de reação. Trata-se da domesticidade da violência que vitimiza um número crescente de mulheres, em maior proporção, aquelas que são jovens e negras.

De acordo com as conclusões finais do Mapa da Violência, mais do que prever a punição para os agressores, seria necessário garanti-la, combatendo com veemência a impunidade. Mas quando seremos capazes de avançar na proteção às mulheres, na garantia dos direitos e no enfrentamento efetivo à violência? Porque a punição é relevante, mas não é protetiva e nem assegura a vida. O homem punido e a mulher morta não resolve o problema que precisamos combater.

A questão que novamente se apresenta é porque persiste a violência contra a mulher em nossa sociedade? E para além disso: quais são os mecanismos que têm potencializado o crescimento desta violência, apesar de todos os dispositivos legais já alcançados?

Sem receio de incorrer em exageros, arriscaria dizer que as mulheres estão sendo vítimas de um conservadorismo violento e revanchista que as ataca em seus corpos e direitos. Desde as violências sofridas dentro de casa até os riscos apresentados por projetos de leis elaborados por homens que se autorizam a definirem um conceito único de família (PL 6583/2013) ou atentam contra o direito ao aborto em casos de estupro (PL 5069/2013), precisamos reconhecer que é predominantemente sobre as mulheres que incidem a exasperação do ódio e os perigos do retrocesso em nossa sociedade atual.

Desde os adesivos alusivos à violência sexual e os xingamentos proferidos contra a presidenta Dilma, passando pelos desrespeitos cotidianos à que estão submetidas as mulheres nas mais diferentes condições sociais, é importante que pensemos no quanto temos sido coniventes com a violência, por ação ou omissão. A violência proferida contra a mulher, qualquer que seja ela, deferia dizer respeito e indignar a todas aquelas que são em potenciais vítimas e a todos aqueles que se autorizam a agredir com palavras, piadas, tapas, leis, tiros ou facadas. A violência é um problema de todos nós! A resistência torna-se necessária para que seja assegurado às mulheres o direito à vida, sem riscos, retrocessos e violências!

Mapa da Violência 2015.

Leia o texto na íntegra: http://www.mapadaviolencia.org.br/

*Daniela Tiffany é mestre em psicologia social e assessora parlamentar de políticas para mulheres do mandato da deputada Marília Campos

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