Daniela Tiffany: “Por mais mulheres que digam ‘não’ na política!”

28/04/2016 | Políticas de igualdade

No domingo, dia 17 de abril, acompanhei voto a voto o acolhimento do pedido de impeachment da Presidenta Dilma Rousseff. Dentre a sucessão de descabidos, evocações de Deus e saudações familiares, assisti com incredulidade aos pronunciamentos das deputadas, em especial, de Tia Eron (PRB/BA) e Rosângela Gomes (PRB/RJ). Sem querer imputar a elas todo o meu incômodo decorrente dos 367 aos quais eu sou contrária, faço a elas um destaque por serem mulheres e negras.

A atual legislatura é composta por 51 deputadas, que representam menos de 10% do total de eleitos para o Congresso Nacional. Dentre homens e mulheres, apenas 3% se autodeclararam negros, de acordo com as informações prestadas ao TSE. Considerando que a população brasileira é composta predominantemente por mulheres e negros, podemos afirmar que temos um sério problema de representatividade neste país, que não será resolvido pela simples ampliação da participação de representantes como elas na política, se foram apenas reprodutoras de “sim”!

Os votos proferidos por elas representaram a negação de tudo pelo que lutamos nos últimos anos. Simbolizam o descomprometimento com os avanços conquistados para esses segmentos da população brasileira nos Governos Lula e Dilma. Ouvir Tia Eron reduzir à condição de esmolas as políticas públicas de combate à miséria, invocando-se como mulher negra e nordestina, me provocou repulsa, o contrário extremo da identificação que eu gostaria de ter reconhecido nela. E tenho dificuldades para aceitar que o seu posicionamento reflete a opinião preponderante de suas eleitoras e eleitores do estado da Bahia. O mesmo senti diante da declaração de voto de Rosângela Gomes, Relatora da CPI contra do Extermínio da Juventude Negra, que imputa ao seu eleitorado o clamor pelo impedimento da Presidenta Dilma.

Tivessem as duas justificado suas votações por obediência à determinação partidária, menos pior seria. Gostaria de ter identificado nelas alguma demonstração de desconforto por voto imposto e pré-definido. Difícil foi assimilar a contradição entre os argumentos que apresentaram e a história de vida das pessoas que supostamente representam. A aceitação do impedimento da Presidenta por meios ilegítimos é sinônimo de uma negativa à ampliação de perspectivas para os jovens negros. Significa o retrocesso no acesso às políticas sociais e às universidades públicas. Tais votos negam a efetividade das ações de distribuição de renda para a retirada de milhares de famílias da condição de fome e pobreza. Coloca em risco as garantias trabalhistas e os direitos recém conquistados das domésticas, que são, predominantemente, mulheres negras.  

Em retribuição ao seu voto, “Tia Eron” recebeu de seus não-pares o consolo momentâneo de ser bonita e inteligente, apesar de negra. Triste foi não ter reagindo a essa violência como uma atitude visceral de repugnância e indignação. Assim como nos ensinou Simone de Beauvoir, ser mulher envolve um processo de tornar-se. Em direção similar, Neusa Santos Souza nos elucida sobre as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social, em seu livro intitulado Torna-se Negro, de 1983, da Ed. Graal. De acordo com a psicanalista negra, para ascender socialmente, o (a) negro (a) identifica-se ostensivamente “com os interesses, valores e modelos de organização da personalidade do ‘branco’”. Se deixa seduzir pelo lugar de exceção, perde a sua cor, desempenha papéis sociais ambíguos, para dar provas ultraconvincentes de sua capacidade de ser, de pensar e de agir como equivalente moral daqueles que historicamente são os seus opressores.

Esperava ouvir dessas mulheres pronunciamentos que de fato favorecessem os moradores da baixada fluminense, os jovens negros, os retirantes nordestinos, as mulheres e a grande maioria dos brasileiros. O real clamor do povo é pela melhoria em suas condições de vida, para que diante da redução da capacidade de consumo, sejam apontadas saídas para efetivação da cidadania. Atribuir à presidenta Dilma toda a culpa e responsabilidade pela crise econômica é uma estratégia infame e leviana. E assim entraram elas para a história, por conivência e participação ativa em uma farsa golpista.

Temos narrativas muito recentes do protagonismo de mulheres negras, na história brasileira. Mas muitas delas foram e são sinônimo de resistência. Dentre elas, destaco Antonieta de Barros, primeira mulher negra eleita deputada na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, em 1934. Pergunto quantas batalhas travou Antonieta para não ser acovardada e cooptada pelo sexismo, machismo e racismo mais ferrenho em seu tempo do que nos dias atuais.

Aprendemos com a nossa recente história que os “nãos” nos definem mais do que os “sins”. Honro, então, a Deputada Benedita da Silva (PT/RJ) por não ter esmorecido, por todo o seu histórico de resistência política e pela mulher negra que é. Cito ainda: Maria do Rosário (PT/RS), Professora Marcivania (PCdoB/AP), Elcione Barbalho (PMDB/PA), Simone Morgado (PMDB/PA), Érica Kokay (PT/DF), Ana Perugini (PT/DF), Luiza Erundina (PSOL/SP), Luiziane Lins (PT/CE), Jandira Feghali (PCdoB/RJ), Rejane Dias (PT/PI), Moema Gramacho (PT/BA), Alice Portugal (PCdoB/BA), Zenaide Maia (PR/RN), Luciana Santos (PCdoB/PE), Brunny (PR/MG), Jô Moraes (PCdoB/MG) e Margarida Salomão (PT/MG).

A todas elas, agradecemos pelo voto a favor da democracia. E assim continuaremos lutando por mais mulheres que digam “não” na política!!