DIEESE: “A importância de empresas estatais para o desenvolvimento econômico e social”

08/03/2018 | Economia

As estatais diferem das empresas privadas por tomarem decisões orientadas pelo interesse coletivo e não apenas por critérios econômico-financeiros

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Nota Técnica 189 – Pags 8 a 11 – Janeiro 2018

Esta seção trata da importância das empresas estatais para promover investimentos vultosos de longo prazo; prover serviços essenciais à vida; assegurar um nível de concorrência adequado (oferta e preço) em mercados concentrados; realizar investimentos em ciência, tecnologia e inovação; atuar como instrumento de políticas anticíclicas; assegurar o controle de bens escassos e que são insumos essenciais para o conjunto da estrutura produtiva; atuar em nome do interesse e da soberania nacional; e tomar decisões empresariais orientadas pelo interesse coletivo.

No Brasil, assim como na maioria dos países, um conjunto relevante de bens e serviços foi e é produzido por agências públicas ou empresas sob o controle estatal. Esse foi o caso da Companhia Siderúrgica Nacional, construída no governo Getúlio Vargas, iniciativa fundamental para o processo de industrialização do país. Seria impensável, à época, um investimento de tal envergadura sem o protagonismo estatal. Processo similar ocorreu recentemente com o pré-sal, hoje considerada a terceira maior reserva de petróleo e gás do mundo, mas cujos custos de exploração foram considerados inviáveis pelo setor privado alguns anos atrás. Considerando-se os elevados riscos envolvidos, sua descoberta só foi possível por meio da decisão de uma empresa pública, a Petrobrás, de persistir em pesquisas e na confirmação desta descoberta.

Muitos setores de atividade econômica, devido a suas características intrínsecas, necessitam de investimentos vultosos e de longo prazo de maturação, que pode se estender por décadas, tais como as estradas e as ferrovias. Em muitos casos, embora possam não ser de interesse para a exploração privada, são fundamentais ao desenvolvimento econômico e social de um país e, por esta razão, a sociedade decide arcar com os custos de sua realização.

Há, por sua vez, algumas atividades que proveem serviços essenciais à vida - como captação, tratamento e distribuição de água e geração, transmissão e distribuição de energia elétrica - e que, sob pena de colocarem em risco a economia do país e a própria sobrevivência da população, não podem ser tratados como uma mercadoria qualquer. Na maioria dos países, procura-se assegurar, como questão estratégica e de segurança nacional, o provimento de tais serviços na quantidade e qualidade necessárias e a preços acessíveis tanto para consumo da população, quanto dos diversos setores de atividade econômica. Ademais, os problemas no atendimento à população associados à ineficiência da gestão privada desses serviços têm sido a principal justificativa para sua reestatização generalizada nos países em que foram privatizados. Destaca-se o setor de água e esgoto, que registra mais de 240 casos de reestatização em países como os Estados Unidos (58 casos), França (94 casos), Alemanha (9 casos), entre outros (15).

No Brasil, o próprio texto da Constituição Federal de 1988 define o provimento de uma série de bens e serviços como propriedade/competência da União e, em alguns casos, de estados e municípios. Dentre eles, podem ser mencionados as jazidas e demais recursos minerais; potenciais de energia elétrica; tratamento e distribuição de água e coleta de esgoto; gestão dos recursos hídricos; infraestrutura aeroportuária; serviços e instalações nucleares; serviços de transporte; e serviços postais.

Para assegurar a oferta e preços adequados, é preciso considerar que alguns setores têm estrutura de mercado muito concentrada: quando não são monopólios naturais (16), são segmentos de poucos participantes com expressivo poder de mercado (oligopólios), principalmente devido às barreiras à entrada de novos competidores. Essa é uma razão adicional para que o Estado tenha participação significativa nesses mercados, por meio de empresas que possam assegurar um nível de concorrência adequado (oferta e preço), possibilitando a implantação de diretrizes governamentais relacionadas a metas ambientais, escolhas tecnológicas, desenvolvimento regional, patamares mínimos de investimento, expansão da oferta e preços módicos.

Empresas e centros de pesquisa estatais desempenham importante papel nas economias modernas a partir dos investimentos que realizam em projetos de ciência, tecnologia e inovação, pouco atrativos à iniciativa privada, uma vez que requerem longo prazo de maturação e se caracterizam pela elevada incerteza. Os recursos destinados à pesquisa e desenvolvimento por empresas estatais, como os investidos pela Petrobrás e pela Embrapa no Brasil, são decisivos em qualquer projeto de desenvolvimento que tenha como objetivo a redução da dependência tecnológica frente a outros países.

A atuação e os investimentos estatais também podem ser fatores de estabilização econômica, do nível de emprego e da renda, à medida que, por não obedecerem apenas à lógica de mercado, asseguram um mínimo de expansão da demanda agregada, atuando como instrumento de políticas anticíclicas. Foi o que se viu no Brasil durante a crise financeira internacional de 2008, quando os bancos públicos, por meio da expansão do crédito e da redução dos juros, exerceram importante papel anticíclico.

Ademais, bens escassos e que são insumos essenciais para o conjunto da estrutura produtiva, em especial petróleo, gás e seus derivados, são estratégicos para o desenvolvimento econômico e social, e os poucos países que detêm grandes reservas e competência para explorá-las procuram protegê-las e utilizá-las da melhor maneira possível. Não à toa, a disputa pelo controle das jazidas deste e de outros bens minerais está na origem de boa parte dos conflitos bélicos nas últimas décadas.

Por todos estes fatores, em nome do interesse e da soberania nacionais, diversos países têm adotado medidas de “restrição” ao investimento estrangeiro em setores estratégicos, principalmente àqueles na forma de fusões e aquisições. Caso emblemático é a China, que, por meio de suas grandes empresas estatais, tem adotado uma política agressiva de investimento em nível mundial.

Tais tipos de transação – fusão e aquisição – embora não resultem necessariamente em novos projetos de investimento, estão, por outro lado, associados à transferência do controle de empresas nacionais para companhias estrangeiras. Além disso, desnacionalizam setores importantes e podem gerar forte pressão nas contas externas, causando inclusive, restrições ao crescimento econômico.

O Monitor de Políticas de Investimento da UNCTAD descreve várias situações em que essas transações foram coibidas (17). Nos EUA, por exemplo, o Secretário do Tesouro comunicou recentemente a proibição de aquisição da empresa americana de semicondutores Lattice Semiconductor Corporation pelo fundo Canyon Bridge Capital Partners LLC, controlado por um gestor de ativos estatais chinês. Segundo ele, “em consonância com o compromisso da administração de tomar todas as medidas necessárias para garantir a proteção da segurança nacional dos EUA, o presidente emitiu uma ordem que proíbe a aquisição” (18). Na Austrália, por sua vez, o governo proibiu a venda do controle da Ausgrid, uma das maiores empresas de distribuição de energia elétrica do país (19).

Importante lembrar, ainda, que as empresas estatais diferem das empresas privadas na medida em que, por sua natureza, deveriam tomar decisões orientadas pelo interesse coletivo e não apenas por critérios econômico-financeiros. É possível gerir empresas estatais de forma eficiente, sob a perspectiva do interesse público. A análise das experiências de países desenvolvidos mostra a viabilidade de diferentes tipos de gestão no setor público, com controle social, que possibilitam reduzir acentuadamente problemas relacionados à corrupção e à apropriação indevida por interesses privados.

 

Desnacionalização da economia brasileira

Após a crise internacional de 2008, o Brasil voltou a registrar recorrentes déficits em Transações Correntes (20) – entre 2008 e 2016 o déficit acumulado chegou a mais de US$ 500 bilhões (21). Em contrapartida, o ingresso de investimento estrangeiro no país também cresceu na última década – a média anual do valor referente ao ingresso desses investimentos passou de US$ 12,6 bilhões entre 2001 e 2008 para US$ 57,2 bilhões entre 2010 e 2016 (22). No entanto, parte importante desses investimentos tem se dado na forma de fusões e aquisições de um conjunto amplo de empresas privadas e estatais – facilitadas pela crise econômica e política, pela desvalorização cambial em 2015 e pelo Programa de Parceria do Investimento (PPI) via venda de estatais e leilão de concessões até então operadas por empresas estatais nacionais. Exemplo recente foi o leilão de grandes usinas hidrelétricas operadas pela empresa pública do estado de Minas Gerais (Cemig), que passarão a ser operadas por empresas da China, França e Itália, todas com participação dos governos de seus respectivos países (23), isto é, participação estatal.

A transferência do controle de empresas nacionais para empresas estrangeiras (desnacionalização da economia) tem pouca contribuição para o aumento da taxa de investimento nacional, condição necessária para a retomada de uma trajetória de crescimento econômico sustentável, e ainda pressiona as contas externas na medida em que permite um “vazamento” de divisas para o exterior (24). Um enorme montante de recursos saiu do país na forma de lucros e dividendos no período pós crise – cerca de US$ 205 bilhões entre 2008 e 2016 (25), o que representa quase metade do déficit em Transações Correntes do período.

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15 - LOBINA, E. et all, 2015.

16 – Monopólio natural é um conceito da teoria econômica ortodoxa e caracteriza-se, resumidamente, por: (1) elevados custos fixos em capital altamente específico para a produção de um determinado bem, e (2) considerável grau de incerteza relacionada ao geralmente longo período de maturação do projeto. Serviços públicos de infraestrutura, tal qual o saneamento básico, são exemplo clássico desse tipo de monopólio.15 – LOBINA, E. et all, 2015.

17 – UNCTAD. Investiment Policy Monitor.

18 – Notícia veiculada na Bloomberg. Tradução livre nossa.

19 – Comunicado à Imprensa veiculado pelo Ministério do Tesouro da Austrália.

20 – A conta de Transações Correntes, ou Conta Corrente, constitui um dos principais resultados registrados no Balanço de Pagamentos. Abrange a Balança Comercial (exportações e importações) e a Balança de Serviços (que inclui remessas e recebimento de juros e lucros, rendas, transações unilaterais, entre outras contas).

21 – Principalmente devido à queda dos preços das commodities, mas também a outros fatores.

22 – Banco Central do Brasil.

23 No caso específico desses leilões, o governo federal brasileiro cobrou um bônus de outorga de R$ 12 bilhões para que as empresas vencedoras operem durante trinta anos concessões com investimentos totalmente amortizados, transferindo a fatura para as suas respectivas tarifas, ou seja, para o consumidor.

24 – Segundo a consultoria KPMG, a média anual do número de transações na forma de fusões e aquisições no Brasil passou de 384 entre 2002 e 2005 para 793 transações no período de 2010 a 2015, um crescimento de quase 100%. A participação dos investidores estrangeiros no total das transações passou de 34% em 2002 para 51% em 2015.

25 – Banco Central do Brasil.