Dois artigos de Wanderley Guilherme dos Santos: “O destino de Lula” e “Quem se importa com Lula?”

09/05/2018 | Política

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O destino de Lula

Segunda Opinião – 4 de maio 2018

Preocupados com o destino pré-eleitoral de Lula, inflamadas porta-vozes do grande líder descuram-se do que com ele pode ocorrer depois das eleições. Com a tese kamikaze de ou Lula ou nada e a religiosa excomunhão dos que sugerem a possibilidade de o PT abrir mão da cabeça de chapa, hostilizam o eleitorado brizolista e os socialistas contrários a Joaquim Barbosa, ademais de enorme eleitorado de esquerda não automaticamente petista. Quem não se preocupa com isso é partido carona, partido que não tem voto. A sensata opinião de que, na impossibilidade da candidatura Lula, o PT conversaria com aliados históricos sem a preliminar de que a cabeça da chapa lhe pertença, vê-se acusada de traição e, para os mais exaltados, adesão à direita. A ideia de que lutar por justiça para Lula obriga a exigir que seja candidato e, consequentemente, presidente da República, só faz sentido na cabeça de conversos à política de caudilhos. Pode ter sucesso, mas, falhando, cresce a possibilidade da derrota de todos, não apenas dos fiéis petistas, com o abandono do poder legal à direita. O insucesso presidencial não impedirá a eleição de deputados progressistas Brasil a fora, deixando a conta, contudo, para o fantasma de Carlos Drummond: e agora Lula?

À falta de metralhadoras e de quem as queira operar, e a visível fragilidade das hostes em direto combate contra os operadores do judiciário, é surpreendente, não só a negligência, mas a estúpida desmoralização dos mecanismos eleitorais. Vencer as eleições presidenciais em outubro é o único, único, único, caminho legal para alterar, em segurança, as atuais posições políticas e jurídicas separando o complexo das esquerdas do aglomerado das direitas. Sem essa vitória, a idade das trevas se prolongará até o fim do mandato dos deputados progressistas eleitos na onda do “ou Lula ou nada”. Será o nada de Lula.

Prolongada omissão de Lula, em silencioso incentivo aos incendiários, arrisca suas próprias barbas, assistindo a intensificação das ofensas de petistas ao eleitorado progressista, mas não devoto. Por enquanto, Lula ainda pode escolher o caminho que não deseja seguir. Depois das eleições de outubro, o destino de Lula, em um ou em outro sentido, não dependerá mais de sua estrita vontade.

Quem se importa com Lula?

Segunda Opinião – 7 de maio 2018

A direita festejou a retumbante derrota do PT nas eleições municipais de 2016. À esquerda, volta e meia vítima de lavagem cerebral, líderes e porta vozes autorizados ou não deram início a desencontrada autocrítica. Como de hábito, o que começa como autocrítica termina em busca de bodes expiatórios. A perseguição da Lava-Jato (inegável) e a covarde difamação de Dilma Rousseff, incompetente, segundo líderes do PT, explicavam os alegados desastrosos resultados eleitorais. Só que não foi bem assim. A fragilidade dos analistas do partido os torna presa regular do noticiário conservador, daí a frequente adoção de estratégias incoerentes, em luta diária contra as manchetes do Jornal Nacional e os editoriais da Folha de São Paulo. Neste particular, operam como inocentes úteis da direita.

Há uma associação bastante sólida entre número de candidatos apresentados pelos partidos e a probabilidade de vitórias: quanto maior o número de candidatos, maior a proporção de vitórias conquistadas. A associação não vale, obviamente, para partidos concorrendo com um ou dois candidatos, coligados a partidos grandes, e que, beneficiados pelo sistema proporcional adotado, obtêm 100% de aproveitamento.

Na disputa pelas prefeituras, em 2016, o Partido dos Trabalhadores perdeu algo mais do que 50% das cadeiras conquistadas em 2012. Este foi um dos resultados que levou a direita às gargalhadas e lideranças da esquerda a espargir cinzas pelas cabeças alheias. Em grande parte, contudo, a perda se explica por correspondente fuga à competição. Em 2016, o PT registrou 1004 candidatos prefeitos contra os 1799 registrados em 2012, ou seja, uma redução de 44% na lista de concorrentes. A sangria na mobilização de competidores, esta sim, teve impacto desastroso no desempenho do partido.

O mesmo ocorreu na disputa pelas vereanças. Em 2016, o Partido dos Trabalhadores concorreu com uma absurda redução de 45% no número de candidatos, em comparação com 2012. Não deu outra: conseguiu, em 2016, menos 46% de vitórias das conquistadas em 2012. Não há comprovação de que o eleitorado petista tenha rejeitado o partido. O PT perdeu o que sua liderança pediu para perder.

Ser pautado pela direita significa ou ficar intimidado por ela – o que ocorreu em 2016 – ou tomar decisões embirradas com a propaganda midiática. Antes de se arriscar a resultados catastróficos em 2018, seria de toda conveniência que alguns exaltados ou compreensivelmente emocionados com a real perseguição ao partido e ao seu grande líder, fossem capazes de separar a solidariedade que não lhes tem faltado por todas as fatias do bolo à esquerda, da necessidade crucial de formular a estratégia com maior probabilidade de sucesso em outubro próximo. Essa decisão requer abertura negociada em torno de programas de governo. Os nomes surgirão naturalmente de um acordo de tal tipo.

Há uma reflexão à qual ninguém, no lado da esquerda, deveria fugir: é absolutamente certo que sem o apoio de Lula, uma vitória da centro-esquerda ficaria seriamente ameaçada; porém, dependendo do candidato, mesmo com o apoio de Lula, a vitória também será improvável. Dedicados petistas, fora dos dogmáticos discriminadores, não têm censura mental e podem admitir que, sem Lula é impossível ganhar, mas com Lula é possível perder. Em qualquer dos dois casos, a vítima maior será o próprio Lula, que está preso e, por enquanto, condenado. Os estrategistas do ou Lula ou nada continuarão soltos.

Wanderley Guilherme dos Santos é pesquisador sênior do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp-Uerj).