É o fim de um ciclo, diz Jairo Nicolau sobre crise política

30/05/2017 | Política

Para EXAME.com, professor da UFRJ, que é especialista em sistema político do Brasil, fala sobre o futuro da democracia após leva de investigações

Revista Exame – 21/05/2017

São Paulo – A crise política que chacoalha as estruturas dos principais partidos e lideranças políticas brasileiras – entre elas, o próprio presidente Michel Temer – sinaliza que o ciclo que começou com a redemocratização na década de 80 está dando seus suspiros finais. E as eleições do próximo ano podem marcar uma verdadeira virada nos rumos da  nossa democracia.

Essa é a avaliação do cientista político Jairo Nicolau, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele, que é uma das principais autoridades do país no estudo de sistemas eleitorais e partidários, acaba de lançar o livro “Representantes de quem? – Os (des)caminhos do seu voto da urna à Câmara dos Deputados”, pela Editora Zahar. Na obra, ele analisa em minúcias as forças que regem a política e os partidos brasileiros e conclui: reforma política, definitivamente, não é a solução.

Nesta entrevista a EXAME.com, ele fala sobre corrupção, futuro do governo Temer e o Brasil que pode surgir depois das delações premiadas e investigações da operação Lava Jato.

EXAME.com: O que deu errado no nosso sistema político?

Jairo Nicolau: Eu não diria que o sistema político falhou. Você poderia ter sistema distrital, lista fechada, bicameramismo, federalismo, parlamentarismo e ter o mesmo tipo de escândalo. O escândalo não tem a ver com o sistema político, tem a ver com a relação dos partidos e de alguns dirigentes políticos com o mundo empresarial.

É claro que há falhas. O Partido dos Trabalhadores, por exemplo, durante praticamente uma década vive sofrendo denúncias, mas até agora o partido não fez uma auditoria, um conselho fiscal. Há falhas claras nas organizações de controle. O Tribunal de Contas, responsável por analisar as contas, foi arrastado pelo esquema de corrupção. A rigor, o próprio TSE falhou ao aprovar as contas de Dilma e todas as outras para depois fazer uma investigação mais profunda.

Mas falar que, para estancar a corrupção, tem que acabar com a doação de empresas, essa é uma resposta superficial.

Então, a reforma política não é a solução?

Há uma parte de problemas no nosso sistema eleitoral. Mas isso não explica tudo. Digamos que a gente adote o sistema eleitoral alemão, tido por muitos estudiosos como o mais eficiente. Feito isso, necessariamente teremos políticos de qualidade superior ao que temos hoje? Não sei, eu tenho dúvidas.

Como uma sociedade recruta algumas pessoas para a política tem a ver com o sistema político, mas também com a cultura política, com a história de um país. Se mudar o sistema eleitoral, provavelmente, não vai mudar muito isso. A gente tem que mudar é o debate da sociedade, os partidos têm que mudar sua relação com a sociedade.

Em todas as sociedades contemporâneas, os partidos estão vivendo desafios semelhantes. Isso é universal. Os partidos não serão mais o que já foram um dia. Quem promete o paraíso com a reforma, dizendo que vamos ter uma nova elite política, promete fantasia, ilusão.

Se são questões estruturais, é improvável que a gente veja, então, uma solução para a crise política brasileira no médio prazo?

Independente do sistema eleitoral, a gente vai passar por uma inflexão no sistema partidário no próximo ano. Ou seja: [a eleição de] 2018 vai reconfigurar o poder no Brasil de uma maneira muito acentuada, com a redistribuição do poder na Câmara, a eleição de novas forças nos estados. Mesmo se nada for feito no sistema eleitoral, na legislação, eu acho que 2018 vai ser uma eleição de virada.

Por que será de virada?

Primeiro: há um problema claro para os três maiores partidos, PMDB, PT e PSDB, que foram muito afetados pelos escândalos.Esses três partidos vão perder representantes e o espaço será ocupado por forças políticas médias e emergentes. Sem contar que algumas das atuais lideranças políticas não serão reeleitas seja por razões de punição eleitoral ou por não estarem aptas para concorrer por causa das investigações.

Por tudo isso, provavelmente, será a maior renovação parlamentar da história brasileira. Estamos no fim de um ciclo. Esse novo Brasil que discute política no WhatsApp vai pedir passagem em 2018. Não sei como, mas vai. Espero que não seja anulando o voto.

Como a atual situação do governo Temer pode influenciar a sucessão presidencial em 2018?

A hipótese de Temer para a sucessão foi para o buraco. Se ele permanecer no governo, não há nenhuma possibilidade de ele ser um ator influente. Vai ser como nas eleições de 1989 em que todo mundo era anti-Sarney. Ninguém é situação em um governo desse tipo. Caso ele fique, fica como? Fica como o  que os americanos chamam de pato manco, um político que está no governo, mas o mandato já acabou.

O grande trunfo do governo Temer era a sua base de sustentação no parlamento. Não acredido que ele conseguirá recompor. A reforma trabalhista, que não pressupõe emendas constitucionais, pode até passar. Mas nenhuma pessoa do Brasil acredita que ele vai conseguir aprovar a reforma da Previdência, que pressupõe uma base forte.

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Essa dose de incerteza sobre o futuro do governo federal também embaralha o cenário eleitoral de 2018?

Sem dúvida. Em termos de perspectivas eleitorais, não lembro de de nenhuma eleição presidencial, de 1989 até hoje, em que um ano e pouco antes da campanha começar formalmente, que é junho e julho, estivéssemos com um quadro tão incerto. E a incerteza não está associada somente às investigações.

Não passa pelas investigações a questão da Marina, nem do Doria — se ele pode ser o candidato pelo PSDB ou mudar para outra legenda. O que vai fazer esse seguimento grande do PT que está preterido? O [apresentador Luciano] Huck vai sair candidato? É a incerteza completa. Agora a gente tem um período de filiação de só seis meses. Então, o sujeito pode se filiar no ano que vem ao partido e concorrer.

Em seu livro, o senhor afirma que a cara do Congresso ainda não necessariamente traduz os embates ideológicos da sociedade brasileira. Nas próximas eleições, essa tendência pode mudar?

Nem todo conflito que está na sociedade, nem todo tipo de divisão é traduzido em conflito partidário. Claramente, o Brasil é um país racista mas isso não se traduziu uma divisão negros e brancos na política, ou partidos dos evangélicos contra os partidos dos não evangélicos. Parece bizarro, mas em outras sociedades é assim.

A grande divisão política do Brasil ao longo das últimas décadas foi petismo e antipetismo. Não sei se essa divisão acabou, vai depender do cenário político e pessoal do ex-presidente Lula e de como o legado lulista será incorporado ao petismo. Mas a minha sensação é que essa divisão está chegando ao fim.

Mesmo com o Lula liderando as pesquisas hoje?

O desempenho dele pode ser visto como um grande sucesso, mas, por outro lado, ele está concorrendo contra o vento: candidatos chamuscados da oposição, Ciro Gomes, Marina Silva e outros nomes emergentes que a maioria da população não conhece. Eu, carioca, nunca vi o [João] Doria falar mais do que minutos. Mesma coisa o [deputado Jair] Bolsonaro, que é um ícone, mas não é também.

A pesquisa capta tendência, mas essa eleição é diferente de todas as outras. A gente não tem ainda um tabuleiro minimamente definido. É muito cedo para qualquer prognóstico.

O senhor afirma que estamos no fim de um ciclo. Mas o que vem depois? 

A gente sabe o que está acabando, mas a gente não sabe o que está começando. Está acabando o sistema partidário que eu vi surgir, como estudioso e cidadão, nos anos 80. Acabou o ciclo desses partidos que dominaram a política por duas décadas. Estamos começando algo novo.  Agora, quais serão os atores dessa nova cena, eu não sei. Ninguém sabe. Quem falar que sabe está mentindo.