Emir Sader: “Esse Congresso não caiu do céu”

25/10/2017 | Política

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Brasil 247 – 18/10/2017

Filho feio não tem pai. Parece que ninguém votou para eleger esse Congresso, ninguém financiou suas milionárias campanhas, ninguém influenciou a opinião pública, que deu nesse Congresso.

O Congresso tornou-se a Jeni. Não presta, não tem credibilidade, são corruptos, defendem seus próprios interesses. Contribuem decisivamente, junto com esse governo de turno, para desmoralizar a política, para que as pessoas se desinteressem pela política.

Mas quem os elegeu? Quem ganha com sua desmoralização?

As grandes empresas privadas que financiaram suas campanhas têm uma lógica clara: ter no Congresso quem defenda seus interesses. Quando financiam campanhas, estão investindo em mandatos, que devem lhes dar retornos. Quando a Odebrecht confessou que financiou 140 deputados, elegeu uma bancada sua, comprou seus mandatos, com parlamentares que não representam os interesses do povo, do país, mas das empresas que pagaram para elegê-los. O financiamento privado de campanha deveria ser crime, era legalizado e até talvez possa seguir sendo assim, mesmo que de maneira menos aberta. Esses são em parte responsáveis por esse Congresso. E os que se opuseram aos fundos públicos, contribuíram para que esse sistema pudesse continuar como foi até aqui.

Mas outro grande fator são os meios privados de comunicação que, com seus monopólios, não apenas não contribuem para a consciência da população, difundindo quem são, que interesses defendem, que aprovação rejeitaram nos seus mandatos, não promovem debates abertos, pluralistas. Mas também na sua ação cotidiana, contribuem fortemente para a despolitização, a alienação das pessoas.

Quando a mídia faz campanha contra a política, propaganda que todos os políticos são corruptos, promove o desinteresse pela política, trata de passar a ideia de que todos são iguais. Com isso favorece a despolitização, a possibilidade de que as pessoas votem por qualquer um ou até votem por interesses particulares.

As imensas bancadas dos ruralistas, da bala, da educação privada, dos planos privados de saúde, dos evangélicos, ocupam grande parte do Congresso e são responsáveis por essa imensa indecente do Parlamento. Mas para que eles estivessem lá foi preciso o financiamento privado, a despolitização da mídia, a ação daquelas corporações para eleger suas bancadas.

Mas há um fator que tem a ver com o campo popular. Mesmo por pequena diferença, Dilma Rousseff conseguiu se reeleger, o que quer dizer que o projeto dos governos do PT conseguiu manter sua maioria, mas isso não se refletiu nas eleições parlamentares. Significa que os partidos de esquerda, os movimentos sociais, todos os que compõem o campo da esquerda não conseguiram sequer manter a composição do Congresso anterior.

Não se conseguiu reeleger uma parte importante dos melhores parlamentares, não se conseguiu eleger nova geração que representasse os jovens, as mulheres, os negros. Os sindicatos não elegeram bancadas que representassem os seus interesses. E cada um de nós não foi capaz de convencer a muito mais gente da necessidade de eleger representantes parlamentares identificados com o governo.

O resultado foi desastroso para a democracia – veja-se o golpe –, para os interesses populares – veja-se os cortes nos recursos para as políticas sociais e nos direitos dos trabalhadores – e para o país – veja-se a liquidação de patrimônio público com as privatizações.

Como diz o ex-presidente Lula, esse Congresso representa a vontade da população no momento da eleição. E naquele momento, a direita, valendo-se do poder do dinheiro, dos monopólios da mídia e das fraquezas do campo popular, produziu esse Congresso, que não caiu do céu.

Resta agora o campo popular ter candidatos e responsabilizar-se pela sua eleição, apoiar a reeleição dos parlamentares de esquerda, promover novas gerações de candidatos, de jovens, de mulheres, de negros, para que o Congresso seja a cara da sociedade e não a cara de Eduardo Cunha, de Michel Temer e de Aécio Neves.

Emir Sader é um sociólogo e cientista político brasileiro.