Emir Sader: “Só sobrou o tapetão para a direita”

19/10/2017 | Política

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Brasil 247 - 13/10/2017

Era uma vez uma direita, que se achava dona do país. Tinha perdido o controle, aí deu um golpe e se valeu dos seus melhores quadros econômicos e jurídicos para se aproveitar da tomada violenta do poder para impor seus interesses e sua ideologia.

Conseguiu frustrar a transição democrática, quando sua capacidade de governar pela força direta se esgotou. Conseguiu fazer com que a democratização apenas restabelecesse o tipo de regime político existente antes do golpe, impedindo que fossem democratizadas as profundas estruturas do poder.

Não foi democratizado o sistema financeiro, nem a propriedade da terra, muito menos ainda a propriedade privada dos meios de comunicação. O impulso democrático se esgotou rapidamente no governo do Sarney e do ACM, dois personagens vindos da própria ditadura.

Aí a direita se articulou com a renovação conservadora do mundo, sob forma de novidade, com o neoliberalismo. Renovou seu figurino, com a imagem gourmet do Collor. Até ali, a direita aparecia como restauradora, conservadora, resistindo às transformações econômicas, sociais e políticas. A partir dali mudava seu figurino. Quando FHC chamou o PFL de ACM para governar com ele, selava essa aliança a entre o que aparecia como modernizador – os tucanos – e o que havia de mais conservador da direita.

Se uniam para destruir o Estado getulista, impor o livre jogo do mercado, sem limites e, principalmente, derrotar o PT e o Lula, seus adversários históricos. Para que isso fosse possível, desenvolveram o diagnóstico que o problema do Brasil era o Estado – seus gastos, a inflação, os impostos, as propriedades estatais, os direitos dos trabalhadores garantidos pelo Estado, a proteção do mercado interno.

Tiveram seu momento de mais sucesso quanto parecia que controlavam a inflação, quando derrotavam o Lula em três eleições seguidas. Mas, como direita que são, não tem olhos para o problema mais importante do Brasil: a desigualdade social, que eles consideram que é natural, eterna e até positiva.

Ai fracassaram, se chocaram com a realidade, e sua novidade se mostrou rapidamente velha, uma fórmula para conter a inflação cortando gastos sociais do Estado e deixando operar livremente o mercado. Veio a busca interminável de um seguidor do FHC, com as mesmas velhas fórmulas, mesmo se às vezes disfarçadas. Com quatro derrotas sucessivas e a perspectiva de que isso se perpetuasse.

Apelaram para o golpe, combinando acusações de corrupção ao PT e suposto fracasso da política econômica e dos seus efeitos sociais. Abandonaram a disputa democrática e tentaram se afirmar pelos resultados concretos. Mas sua formula, repetida de forma ortodoxa, revelou-se logo incapaz nem sequer de controlar o déficit público, menos ainda de retomar o crescimento econômico. Ao contrário, impuseram uma depressão econômica, com altíssimos níveis de desemprego e com incremento da desigualdade e da exclusão social.

Bateu o desespero, quando se deram conta que o seu fracasso é acompanhado do retorno da imagem do Lula, como o presidente que fez exatamente o contrario do que eles fazem, e que isso o projeta como o único grande líder popular no pais. Apelam então fortemente para componentes do bloco que deu o golpe: o Judiciário, a Policia Federal, os meios de comunicação. Se dão conta que não tem candidato, até porque não tem o que propor ao pais. Se uniram em torno do governo do golpe e o seu programa fracassou. Sem candidatos e sem o que propor, só lhes resta apelar para o tapetão, para impedir que a vontade majoritária do povo brasileiro se concretize democraticamente, de novo, com Lula voltando a ser presidente do Brasil.

A direita busca o anti-Lula, mas precisa evitar que o Lula seja candidato, porque não há anti-Lula que possa enfrentá-lo. Sobrou o tapetão, não importa a falta de provas. Mas resta ainda o poder o Lula de ser o grande eleitor e eleger alguém que o represente diretamente, caso se consiga impedir sua candidatura. Aí não há tapetão que aguente.

Emir Sader é um sociólogo e cientista político brasileiro.