Fernando Abrúcio: “Eleição sob o signo da incerteza”

02/05/2018 | Política

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Valor Econômico – 27/04/2018

A principal característica da eleição presidencial de 2018 é a existência de incógnitas em todos os lados do espectro político. Essa incerteza diz respeito a três perguntas ainda sem resposta. Primeira: quem será efetivamente candidato? Segunda: quais serão as alianças eleitorais nos planos federal e estadual? E a terceira questão, talvez a mais importante, é a seguinte: quais serão os programas de governo que serão apresentados para tirar o Brasil da crise?

Claro que havia dúvidas nas eleições anteriores, mas o que marca a atual disputa é tanto o tamanho das indefinições como um calendário mais longo para sua resolução. A amplitude das incógnitas espalha-se por vários partidos e pelos planos federal e estadual. Muitas respostas poderão ser dadas no limite final das convenções, que é 5 de agosto. Isso num cenário em que a campanha será bem curta, com 45 dias. Desse modo, os eleitores terão pouquíssimo tempo para fazer uma escolha tão importante e difícil.

O pleito de 2018 tem sido regularmente comparado ao de 1989. Sem dúvida alguma a primeira eleição presidencial direta foi a mais complexa de 1988 para cá. Tal conclusão deriva do grau de fragmentação de candidaturas (22 no total), da fragilidade do então presidente e dos dois maiores partidos de então (PMDB e PFL), bem como da disputa final ter envolvido uma batalha de “outsiders” frente à ordem vigente. Além disso, vários nomes despontaram com chances de ir ao segundo turno no decorrer da campanha, o que realça o grau de competitividade daquela eleição.

Ainda não é possível fazer um balanço do que veremos nesse ano - só se tivéssemos alguma máquina do tempo, seja a do H.G. Wells, seja a do "De Volta Para o Futuro". Mas há três aspectos que diferenciam 2018 de 1989, tornando a disputa atual mais complexa sob esses parâmetros. O primeiro ponto é a combinação da eleição nacional com os pleitos estadual e congressual. Essa dinâmica já ocorreu seis vezes, de 1994 a 2014. Porém, tal combinação agora se tornou mais incerta por conta de uma equação que junta três elementos. Um: o polo nacional governante está fraco e, portanto, não consegue ter o papel de mediador entre as eleições. Dois: houve uma multiplicação de candidatos a presidente com resultados distintos entre as regiões, com Ciro e Lula liderando no Nordeste, Álvaro Dias no Sul, Marina no Norte, Bolsonaro no Centro-Oeste, o provável crescimento de Alckimin em São Paulo, e tudo isso embanana a dinâmica das alianças.

Completa-se a dificuldade da equação nacional-regional de 2018 com o fato de que há uma incerteza grande em Estados que tiveram uma forte estabilidade nos últimos anos, como o Rio de Janeiro e mesmo São Paulo, onde são favoritos os dois candidatos de Geraldo Alckmin, mas a briga entre eles deve dificultar a montagem das coligações nacionais. É também digno de nota aqui o caso de Pernambuco, onde após um longo domínio do PSB, construído por Eduardo Campos, as composições políticas se estilhaçaram.

A segunda diferença em relação a 1989 é a Operação Lava-Jato. Naquele final de Nova República havia um enfraquecimento dos partidos dominantes como agora, só que existiam partidos fortes que despontavam como alternativas partidárias, como o PT e o PSDB. O efeito da ação de combate à corrupção hoje é desacreditar a própria política e não apenas as grandes agremiações capacidade de fazer a troca de comando. Em outras palavras, mesmo com a crise do governo Sarney, havia muita esperança na eleição de 1989. A atual ocorrerá sob o signo da incerteza e da desesperança.

O que chama mais a atenção da eleição de 2018 é a situação dos possíveis líderes da competição, tomando como base as últimas pesquisas de opinião. Aqui entra o terceiro aspecto que torna o momento atual singular e mais complexo do que o presente em 1989. Lula é o líder disparado nas sondagens de todos os institutos, o que não quer dizer que necessariamente ganharia o pleito, pois muita água ainda vai rolar. Contudo, a prisão do ex-presidente gera uma circunstância insólita, porque mais do que retirar os seus direitos políticos, restringe a escolha eleitoral de fatia significativa da população. É possível até que uma parte bastante considerável do eleitorado não vote em nenhum outro nome, o que geraria inegavelmente um problema para quem for eleito.

A luta para provar a inocência de Lula, por parte de todos que o apoiam, é legítima. Mas se seu nome não estiver na urna, será um erro se o PT abdicar da participação eleitoral, seja com um candidato próprio ou apoiando outro. Os petistas não podem abdicar do instrumento que mais pode mudar a vida das pessoas, o voto, sobretudo o dos mais pobres, grupo que o lulismo sempre quis representar.

Como compatibilizar essas duas coisas, a luta pela inocência de Lula e a participação eleitoral, é a questão mais difícil que o PT deverá enfrentar nos próximos meses, com decisões ainda incertas. Mas, para além dos conflitos no campo da esquerda, não posso deixar de falar o que Maquiavel insiste em sussurrar no meu ouvido: o presidente eleito democraticamente em 2018 sofrerá as consequências da ausência eleitoral do líder disparado das pesquisas. Como o novo governante lidará com isso, é mais uma das incertezas da atual eleição.

O outro nome mais citado pelos eleitores é o de Jair Bolsonaro. Ele é, nas atuais circunstancias, bem mais “outsider” do que o Lula de 1989. Entrou num partido de aluguel, em vez de construir por anos uma legenda baseada numa coletividade minimamente orgânica, como era o PT. Bolsonaro, ademais, afora arroubos sobre segurança pública, é uma grande incógnita em relação a todas as outras políticas públicas. Já disse e desdisse várias coisas no terreno econômico e se for utilizado o exemplo da educação, o que ele falou não tem nenhum paralelo com o que dá certo em larga escala no Brasil e no mundo. O petismo, mesmo com toda a confusão mental em relação às instituições e à legalidade em 1989, já passara por algumas experiências locais de governo e tinha um conjunto de intelectuais com pautas propositivas em várias áreas governamentais. Decerto que havia muita bobagem nas ideias petistas, mas não era o buraco negro que representa hoje o bolsonarismo.

Em contraposição ao argumento anterior pode-se lembrar que Bolsonaro participa de funções legislativas há 30 anos. Isso o tornaria mais próximo do sistema político do que Lula e o petismo de 1989. Mas é interessante notar a total inexperiência do bolsonarismo em postos do Poder Executivo. Collor também fazia um discurso atirando para todos os lados, mas tinha mais experiência governamental. Mesmo assim, por sua inabilidade política (como a de Dilma), foi uma tragédia em termos de governabilidade. Bolsonaro é inexperiente no ato de governar e demonstrou ser inábil no Congresso – sua briga com parlamentares, para além de seus preconceitos, são grandes exemplos de falta de maturidade. De modo que, provavelmente, ele seria um passo para a ingovernabilidade. Tudo aquilo que não precisamos para 2019.

Os outros nomes que aparecem com maior pontuação nas pesquisas são Marina e Joaquim Barbosa. A candidata da Rede já tem uma maior experiência política e governamental, tem grande conhecimento do país e, mesmo com dúvidas aqui e acolá, apresenta um conjunto de ideias mais claras do que, por exemplo, Bolsonaro. Mas ela terá enormes dificuldades nessa eleição. Não terá muito tempo de TV, nem recursos — e seguindo a regra atual, não poderia sequer participar dos debates presidenciais. Suas alianças regionais serão fracas ou, em alguns casos, inexistentes. Ademais, o eleitorado petista hoje desconfia mais dela do que no passado. E, pior de tudo, pode ser atropelada pela candidatura de Joaquim Barbosa, que seria aquele mais próximo da Marina de 2010 e 2014: a novidade que pode juntar todo tipo de eleitorado, da direita à esquerda, da classe média aos mais pobres.

Só que há um detalhe decisivo: ninguém sabe se Joaquim Barbosa será efetivamente candidato. Ele tenderá a decidir no último segundo, pois o tempo conta a seu favor. Diante dessa possibilidade, um provável favorito para as eleições presidenciais, e que nunca participou de qualquer eleição, poderá ganhar o pleito num processo de dois meses de primeiro contato eleitoral com a população brasileira. De antemão, não dá para dizer se ele seria bom ou ruim, e inegavelmente Joaquim Barbosa demonstrou muitas qualidades na sua carreira no sistema de Justiça. Mas não se pode negar que esse cenário traz incertezas, que seriam reduzidas se ele começasse a falar o que imagina ser um bom governo para o Brasil.

A singularidade, a complexidade e as incertezas presentes na eleição de 2018 fazem com que hoje tenhamos muitas perguntas sem respostas. Mas como vários nomes se colocaram como aspirantes à Presidência da República, cabe à sociedade e à mídia questioná-los: “não importa se você será candidato, mas gostaria de saber, em detalhes, de que maneira você resolverá os principais problemas do país?” Talvez essa seja a única forma de reduzir as incógnitas que vão nos acompanhar nos próximos meses.

Fernando Abrucio é doutor em ciência política pela USP e chefe do Departamento de Administração Pública da FGV-SP.