Fernando Brito: “Ciro ou ‘não Ciro’ não é a questão, agora”

16/05/2018 | Política

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Tijolaco – 11/05/2018

Há uma intensa e – a meu ver, tola – discussão sobre se os petistas devem ou não apoiar Ciro Gomes e alguns “argumentos” que são absolutamente irrelevantes, tanto dos que são “contra” quanto dos que são a favor de uma adesão ao candidato, formalmente, do PDT.

Espanta-me ver gente presa a esta controvérsia de forma passional e, até, pueril, diante dos desafios que estão diante dos que têm compromissos profundos com o povo brasileiro.

Candidaturas não são “times” de futebol, embora todas tenham torcidas, mais ou menos organizadas, daquelas que se justificam pela paixão em si. São projetos de curto e médio prazo, algumas delas – as melhores – calcadas em visões estratégicas de país.

Do contrário, são apenas expedientes para evitar que o país passe a ser dirigido por alguém que seja capaz de ser viável como garantia de que não se tocará nas questões essenciais e o Brasil continue a ser apenas a “mamadeira” dos endinheirados, nutrida com as nossas riquezas e com os frutos do trabalho do povo brasileiro.

Discutir candidaturas alternativas, ao menos de forma excludente e definitiva, é apenas fazer barulho e, quem sabe, criar antipatias que, amanhã, serão destrutivas.

Creio que o primeiro passo é termos a convicção (palavrinha tão injustiçada pelos integrantes da República de Curitiba, que a rebaixaram ao nível do ódio político) do que deveria ser o processo eleitoral se não estivesse ocorrendo a intervenção, externa à política partidária e plena de autoritarismo, do poder Judiciário. E pouca dúvida pode haver de que, neste caso, as eleições de 2018 terminariam com a vitória de Lula. Ou de que, no mínimo, ele seria o favorito.

Reconhecer que o processo eleitoral está, portanto, submetido a este artificialismo é o mínimo de honestidade que uma candidatura democrática deve ter para postular-se como pretendente a ser o estuário das forças de esquerda e de centro-esquerda em outubro. Até porque, passado o primeiro turno, precisará sê-lo para ter chances no segundo turno.

Se Ciro tem esta pretensão, precisará ter também esta honestidade. Que não humilha nem apequena, pois a verdade intelectual e política não é vergonha, é dever  de quem se apresente como candidato ao povo brasileiro.

Ao mesmo tempo, não se pode exigir que aceite, inerme, coices e patadas. Aliás, isso seria demonstrar que não se trata de alguém dotado de dignidade pessoal e, com isso, inabilitar-se a receber a confiança do eleitor e, ao contrário, antecipar que tem uma espinha dorsal incapaz de manter ereto um projeto político.

Desta premissa inicial, retira-se a conclusão de que um candidato que quiser representar o campo progressista deve ter como compromisso a “redemocratização” das práticas políticas neste país e isso inclui o enfrentamento, mesmo que com ressalvas e precauções, das três hipertrofias que nos levaram a este estado de coisas: o dinheiro, o Judiciário e a mídia.

Não é pouca coisa, convenhamos.

Há, neste campo, uma questão de método que precisa ser enfrentada, questão sobre a qual já vivi a experiência de um erro praticado pelo próprio Lula, que Ciro parece estar repetindo.

Depois da vitória em 2002, Lula quis ter o PDT a seu lado, no Governo. Mas foi, ele próprio e por suas conveniências ( na época, uma ilusão de que poderia ter um “modus vivendi” com a Globo) escolheu Miro Teixeira, então filiado ao PDT, para ocupar o Ministério das Comunicações, pelo seu diálogo pessoal com o “Jardim Botânico”.

Deixou de fazer, assim, o rito de procurar e dialogar com o líder em ocaso e, pior, ainda tirou-lhe a espada, diante de seu exércitos.

Lula não pode, por todas as razões, permitir isso e Ciro deve deixar bem claro – o que não deixou, até agora – que está disposto a respeitar não apenas o tempo, mas também a liderança de Lula.

Do ponto de vista do programa econômico, vejo poucos problemas de que Ciro seja “uma fraude”, como se alega. Já ouvi e li compromissos bastante razoáveis de ação: retomada dos campos de petróleo alienados, revogação da reforma trabalhista, combate ao rentismo, defesa do mercado interno e do poder de compra do trabalhador. Verdadeiras ou não, não parecem posições de quem pretenda ser o “queridinho” do establishment, o que não é.

Não ligo muito para as convenções de “ser de esquerda” ou “não ser de esquerda”, por crer que o processo político é quem o determina, ou não teríamos tido um bacharel e estancieiro como a figura mais marcante de um projeto nacional para o Brasil no século 20, como foi Vargas. Para citar, já que as patrulhas andam à toda, uma frase cujo autor, Lênin, não pode ser tachado de “direitista”: a prática é o critério da verdade.

Vejo problemas maiores na maturidade e na inteligência política de Ciro Gomes.

Não vencerá sem Lula e não governará sem o lulismo, seja o do afeto popular, seja aquele expresso no político-partidário. Espera-se de Ciro a sinalização de que é não o seu pretenciosos sucessor ou, ao contrário, um mero fantoche, mas o intérprete, com sua própria voz, da vontade popular que Lula expressa, mesmo injustiçado, encarcerado e impedido de disputar as eleições.

Ter medo de “perder apoio” por assumir isso, para quem a toda hora vai chutar os “santos do mercado” como tem ele feito em suas entrevistas, é um contrassenso.

Outra vez, importo-me pouco com a  “vontade pessoal” de cada ator deste processo. Nem a de Ciro, nem a da Lula (como ele próprio disse, Lula é uma ideia, mais que um indivíduo), nem a minha (que não morro de amores por Ciro Gomes) , nem – com todo o respeito – a sua, pessoal, leitor ou leitora, como militante político.

Há um processo social maior do que todos nós, embora cada um de nós seja responsável – mais que nunca – por ter a capacidade e a humildade de sermos alavancas desta força imensa, a única capaz de nos salvar do plano de aniquilação nacional que está em curso.

Alavancas que multipliquem sua potência e que se chamam política popular: a que soma o que é possível e que vence o impossível.

Cabem a Ciro, não a Lula – por razões óbvias, diante de sua relativa incomunicabilidade e as restrições monstruosas a que está submetido – física e juridicamente – os movimentos.

E não é preciso apressar nada, ainda mais em tempos de tanta velocidade nas comunicações.

Lula é candidato e assim deve permanecer. É a referência da população, precisa seguir sendo e quem não o compreender pode perder o rumo.

É óbvio que Lula tem resistências a Ciro é a Ciro que cabe ter a inteligência e a grandeza de dissolvê-las.

Fernando Brito é jornalista, editor do blog Tijolaço.