Fernando Horta: “Vencidos, dobrados e submissos”

06/06/2018 | Política

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Foto: Adônis Guerra/SMABC

Jornal GGN – 01/06/2018

Uma das características do ser humano é a percepção dos tempos. Passado, Presente e Futuro são parte da forma que deu ao Homo Sapiens o controle sobre a Natureza. São poucos os animais que conseguem fazer esta distinção. Menor ainda é o número dos que conseguem projetar-se nos tempos, condição essencial para planejamento de ações, trabalhos e sedentarização.

A linha que atravessa o passado que foi, o presente que é e o futuro que será, é uma percepção constante na vida das pessoas. A maioria de nós usamo a memória (ressignificação do passado), o senso comum (que informa e instrui o presente) e a fé (que materializa e constrói o futuro) para nos guiar pelos tempos. Há quem use a História (ao invés da memória) como reconstrução mediada do passado, e aplica princípios científicos no seu Presente e no seu Futuro. Previsões com números, regras, leis, avaliações e etc. Dentro destes dois extremos, há um infindável número de combinações com maior ênfase num ou noutro tempo, numa ou noutra percepção.

Esta multiplicação de formas de compreender o homem no tempo soma-se ao infindável conjunto de valores morais pelos quais julgamos as ações nestes tempos e rapidamente evoluem para um estado completo de anarquia que caracteriza o quadro político de nossa sociedade. Pessoas usam as mesmas palavras para definir coisas diferentes, mesmos conceitos para significar processos diferentes e avaliam resultados com bases completamente diferentes. E tudo isto faz parta da nossa força como espécie e não é, em absoluto, algum problema.

Neste caminho, são as ideias que moldam nossas ações nos tempos. Plantei ontem, rego hoje para colher amanhã e este processo me parece tão óbvio e certo que já o chamo de “plantação”, muitas vezes dando por acabado o resultado. A ciência entrou aqui, aumentando os percentuais de sucesso. Planto sob determinadas condições que me darão, supostamente, melhores resultados. No Presente, ajo sob determinadas regras e assim maximizo as chances de um futuro com colheita. Todas as nossas ações esparramam-se pelos tempos e, apesar de sempre agirmos no (e apenas no) Presente, o Futuro é construído como uma certeza presente. Não planto nem rego sem uma grande dose de certeza de que vou colher.

O problema é quando o Futuro passa a ser tão certo que delimita o Presente. Invertemos as condições da “flecha do tempo” (passado, presente e futuro) e passamos a trabalhar sob a ideia do Passado, Futuro para então um Presente.

Quem defende que “Lula não poderá ser candidato” já foi vencido e dominado pelo golpe. Tornar-se, ainda que não se reconheça, um apoiador do Estado de Exceção que impera no Brasil. Por inverter os tempos, acreditar piamente na força das instituições e no chicote de seus mestres, quem opera pela lógica do Futuro inevitável deixa de ser um lutador político do Presente para referendar plenamente o golpe que ocorreu no Passado. De resistente a pesar contra as injustiças, passa, imediatamente, a um conformado peso-morto a favorecer as ideias conservadoras.

Mandela não passou 18 anos preso porque acreditou no Futuro imutável de sua condição. Mujica não ficou 15 anos na cadeia acreditando que o Futuro estava definido por aqueles que assim proclamavam. Defender hoje “alternativas” a Lula é, já, estar vencido. É ter aceitado o golpe no todo. Ter-se reconhecido como submisso a seus perpetradores e fazer exatamente o que os golpistas planejaram: servir de resistência à mudança política do Presente por perder a fé no Futuro. Estas pessoas passam a trabalhar na lógica do desespero. Da “redução do dano”, do “prejuízo”, da “única alternativa” e não percebem que já introjetaram, por completo, todo o arcabouço ideológico do golpe. Foram dominados e ainda não percebem.

O princípio do “Lula não será candidato” ou “não deixarão ele ser” já transforma o Presente pois arrefece a luta, compactua com a injustiça e sedimenta o poder dos injustos. Milhões antes de nós não tomaram este caminho nem mesmo ante à dor dos chicotes na mão dos feitores ou dos choques e pauladas sob o comando dos uniformes verde-oliva. O que nos faz hoje aceitar a posição de gado vencido, indo ao abate, pela mera exposição indolor ao Jornal Nacional ou às redes sociais?

Quando criaram a ideia do “Povo sem medo” era exatamente o medo do Futuro que era falado.

Alguns contaram que um furacão destruirá nossa colheita, outros queimaram parte de nossas plantações. Mas é exatamente ao acreditar no Futuro imutável que os senhores impõem sua dominação sem custos. Aquela fácil, pelo convencimento ideológico.

Deixemos, pois, primeiro sentir os ventos e os trovões do furacão, mas não percamos a vontade de continuar semeando, de continuar regando, já que é no Presente que vivemos. É no Presente que agimos e é no Presente que plantamos.

Se você acredita no Futuro imutável, suas ações Presentes se encarregarão de construí-lo. E, no Brasil de hoje, até seu Passado será modificado.

Deixemos que outros sejam as barras e os tijolos que contém Lula. Não terão de mim a concordância com o injusto e o ilegal. É pelo Presente que construo o meu Futuro, e não o inverso.

Lula, hoje, é candidato.

Fernando Horta é historiador pela UFRGS.