Francisco Góes e Ivo Ribeiro, no Valor Econômico: “Mineração terá que se reinventar”

30/01/2019 | Minas Gerais

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Barragem da Mina do Feijõ, Brumadinho (MG).

Fonte: Valor Econômico – 26/01/2019

A mineração brasileira vai precisar se reinventar depois da tragédia com a barragem da Vale em Brumadinho (MG). Essa ampla revisão do setor terá que passar, em primeiro lugar, pelas próprias mineradoras e exigirá fazer um "recall" das barragens com alteamento a montante, tecnologia de construção empregada tanto na barragem de Fundão, em Mariana (MG). Essa ampla revisão do setor terá que passar, em primeiro lugar, pelas próprias mineradoras e exigirá fazer um "recall" das barragens com alteamento a montante, tecnologia de construção empregada tanto na barragem de Fundão, em Mariana (MG), que rompeu em 2015, como no reservatório I da mina de Feijão, da Vale, que cedeu na sexta-feira provocando uma nova tragédia humana e ambiental no país.

Mas a reinvenção do setor mineral brasileiro, depois desses dois graves episódios, precisará ir além das próprias empresas e demandará revisitar leis, incluindo uma revisão da legislação sobre barragens. "Toda a cadeia produtiva do setor mineral precisará fazer uma ampla reflexão, leis têm que ser revistas, tecnologias [de barragens] reavaliadas e as empresas têm que mudar de posição em relação à sociedade, mudar condutas", disse um experiente executivo do setor.

Para executivos da mineração, o empresariado ligado ao setor vai ter de mudar radicalmente seu modelo de negócio. A gestão do passivo de barragens de rejeitos existentes em suas minas é ponto crucial. A execução de novos projetos terá de contemplar métodos modernos de deposição dos rejeitos da atividade. Desde o caso de Mariana, o Estado de Minas Gerais proibiu a construção de novas barragens com alteamento a montante, mas existe um passivo enorme resultante de barragens construídas por essa tecnologia há 30, 40 anos ou mais.

A avaliação é que não é mais possível conviver com o modelo atual. Há novas regras nas leis, ainda insuficientes, e sabe-se que a fiscalização dos órgãos de governo está precária em corpo técnico e capacitação técnica. Apesar de o setor ter conseguido constituir a Agência Nacional de Mineração (ANM), no fim de 2018, e ter modernizado o Código Mineral, de 1967. Mas como ficou provado mais uma vez ainda há muito a fazer.

Um dos desafios é que a ANM comece a exercer logo suas funções, lembrou um executivo do setor: "Não dá para sair andando um dia depois de ter nascido", afirmou. O fato é que a cobrança maior virá de cada tragédia. "Em Mariana morreram 19 pessoas, agora [em Brumadinho] havia até ontem 58 mortes e mais de 300 pessoas desaparecidas. "No próximo serão 2 mil?", perguntou outro executivo do setor.

A tragédia de Brumadinho, disse um ex-executivo do setor, será um divisor de águas para o setor, em especial para a mineração de ferro em Minas Gerais. Cobranças da sociedade, de órgãos ambientalistas, endurecimento de órgãos estaduais e federais de licenciamento e fiscalização da atividade mineral e a exigência de adoção de tecnologias modernas vãmexer com a rentabilidade de novos projetos. "Com tudo isso, os teores de ferro cada vez mais baixos em jazidas, o minério na faixa de US$ 70 a tonelada e aumento de custos, a mineração de ferro em Minas Gerais começará a viver uma era de declínio", afirmou. O olhar da Vale se voltará cada vez mais para as reservas de Carajás, no Pará, disse.

Por mais que algumas mudanças tenham sido feitas depois da tragédia de Mariana, a raiz do problema não foi atacada. Há no país, em especial Minas, quase 50 barragens de mineração construídas no modelo antigo que são um pesadelo diário para as para as comunidades do entorno como para pessoas que trabalham próximas, caso da barragem I de Feijão.

Pelos parâmetros da Portaria 70.389, de maio de 2017, da ANM, a Vale vinha cumprindo todas as exigências para barragem de Feijão: auditorias semestrais, relatórios anuais com aval de empresa internacional especializada e relatórios quinzenais. A imensa massa de 12 milhões de metros cúbicos, aparentemente, não emitia nenhum sinal de desacomodação. Mas, diz um executivo do setor, "uma barragem não rompe sem suspirar".

DES01.pngEssa tecnologia de construção, lembram os especialistas, pode ter sido uma solução há três, quadro décadas, por ser de menor custo e de mais rápida implementação considerando a demora nas licenças ambientais, mas, comprovadamente, hoje não são mais adequadas. Os exemplos de Mariana e de Brumadinho mostram bem isso.

Outro problema: as barragens de mineração no país tornaram-se grandes demais. Para lidar com o problema desse tipo seria preciso estabelecer mecanismos para enfrentar esses passivos, diz um especialista. "O que se faz quando tem uma bomba? Chama-se um especialista para desarmá-la." Algo parecido precisará ser feito com as barragens de rejeitos de mineração construídas pelo método de alteamento a montante.

No caso de Brumadinho, há consenso entre especialistas ouvidos pelo Valor que a gestão de risco foi subavaliada. A Vale adquiriu a mina de Córrego do Feijão da Ferteco, no começo dos anos 2000, e herdou a estrutura de barragens que lá estava. A parte administrativa e o refeitório ficavam em um terreno abaixo em relação ao reservatório de rejeitos. O risco é sempre medido pelo cruzamento da probabilidade de o rompimento ocorrer versus a severidade do dano, explica um especialista. "O dano, neste caso, foi subavaliado", acrescentou.

A Vale promete mudar essa conduta. Fabio Schvartsman, presidente da companhia, disse que a empresa vai criar um "colchão de segurança" superior ao atual para evitar que novos acidentes, como os rompimentos das barragens da Samarco, em 2015, e de Feijão, se repitam. "Estamos 100% dentro de todas as normas e não houve solução. Qual é a solução então? Me parece que só tem uma. Temos que ir além de toda e qualquer norma nacional e internacional. Além e acima, para garantir que nunca mais aconteça um negócio desse", disse ontem ao canal GloboNews.

"Eu me juntei à Vale há um ano e meio. Um ano e meio depois do acidente da Samarco. Existiam uma série de ações em andamento que não foram de invenção da Vale, foram feitas por uma série de especialistas internacionais de renome. E seguimos à risca tudo. E eu não sou técnico de mineração. Então segui à orientação dos técnicos e esse negócio deu no que deu. Não funcionou", afirmou Schvartsman.

No mundo, segundo uma fonte, são contabilizados em média dois acidentes de barragens de mineração por ano. O Brasil, em 2014 e 2015, com as barragens de Herculano, em Itabirito (três vítimas), e de Fundão, em Mariana, contribuiu com metade da estatística. Agora, com Feijão, já começa o ano nova contribuição. Estamos ainda no fim de janeiro.

Atualmente, de quase 800 barragens para rejeitos da mineração, pouco mais da metade são foco de atenção da Política Nacional de Segurança de Barragens, tendo como critérios capacidade acima de 3 milhões de metros cúbicos, 15 metros de altura, resíduos perigosos e dano potencial alto. Feijão tinha 86 metros de altura e atendida os 21 critérios fixados pela portaria. 

A engenharia geotécnica não garante 100% de segurança para as barragens com modelo construtivo a montante. O novo modelo tecnológico de barragem mais seguro prevê a deposição dos rejeitos, depois de seco, compactados em pilhas, acabando com as barragens de lamas. O custo é maior para as mineradoras. Mas, certamente, centenas de vezes inferior ao se comparar com os ressarcimentos de bilhões de reais definidos para Mariana e previstos para Brumadinho.

A questão é que o processamento de minério a seco (sem o uso de água) não é uma solução viável para processar minerais ferrosos em Minas Gerais pelas características geológicas do material, dizem outros especialistas. No Pará, onde o minério de ferro é mais rico, a Vale vem implementando o processamento a seco com sucesso.

De qualquer modo, foi do Brasil a opção de fazer mineração usando água para beneficiar o material, e valendo-se de grandes reservatórios que impõem riscos também enormes aos trabalhadores e às comunidades do entorno. "Se a Vale não consegue garantir a segurança dos seus funcionários, como vai garantir a segurança de comunidades vizinhas?", questionou um executivo com vivência no setor. 

Após o caso Mariana, diz um especialista na área ambiental, mudou-se o sistema de monitoramento, com utilização de diversos tipos de medição. E até envolvimento da alta administração das empresas. Não foi suficiente para evitar nova tragédia, com perdas de vidas humanas e danos imensuráveis ao ambiente.

A gestão do passivo, de forma mais ampla, para prevenção do imponderável não avançou. e mineradoras e autoridades estaduais, como em Minas Gerais, continuaram barrando a criação de leis mais rígidas para o setor.

No sábado, o conselho de administração da Vale manteve reuniões, via teleconferência, para acompanhar a situação e dar suporte às ações e decisões da diretoria-executiva. Ontem, o conselho se reuniu novamente no Rio. Schvartsman sobrevoou Brumadinho no sábado, quando o presidente da República, Jair Bolsonaro, também vistoriou o local. Ontem o presidente da Vale voltou ao local do desastre.