Gilberto Maringoni, do PSOL/SP: “Lula é a maior liderança na história com capacidade de interlocução com os de baixo”

01/09/2017 | Políticas de igualdade

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HAMLET REVISITADO: “SER E NÃO SER”

Lula está brilhando em sua passagem pelo nordeste. As cenas do ex-presidente com o povo são impressionantes. Ataca sem dó a situação. "O país não precisa ser a merda que é", diz, em linguagem clara para todos. Não tivemos em nossa História outra liderança com tamanha capacidade de interlocução com os de baixo. Nem mesmo Getúlio.

Lula fura todas as bolhas e parece galvanizar uma vontade coletiva dos que perderam a esperança, numa espécie de retomada de um fio condutor da Nação consigo mesma.

Desesperançados e desesperados se ligam em sua pessoa, na busca de incertos “bons tempos” existentes no imaginário coletivo e no diferencial do que é a hecatombe do governo Temer com seus anos no Planalto.

Ao mesmo tempo, o ex-presidente joga um bolão naquilo em que é insuperável. Estica a corda de um lado e alivia de outro. Em entrevista ao programa de rádio de Mário Kertèsz, na manhã de sexta (18), saiu-se com esta:

“Eu conheço bem o Meirelles. É um homem de mercado. Quando o Meirelles aceitou ser meu ministro, presidente do Banco Central, ele tinha sido o deputado federal mais votado pelo PSDB de Goiás. Eu o convenci (...) e devo muita gratidão ao Meirelles. Muita. Pela lealdade com que ele se comportou quando trabalhou comigo. (...) Acho que o Meirelles teria contribuído para a Dilma".

Trata-se de lulismo na veia. Repetiu de viva voz o que faz na desde a “Carta aos Brasileiros”, de 2002, ao prometer mudança aos de baixo e manutenção das regras aos de cima. Entre duas opções contraditórias, Lula escolhe ambas e espera para ver que bicho vai dar, azeitando tudo com sua incomparável habilidade. Se fosse Hamlet, não se enrolaria no “Ser ou não ser”. Adotaria as duas opções.

O ex-presidente não parece fazer as duas falas no mesmo comprimento de onda. Para o grande público, joga para cima a autoestima popular, numa quadra de desconstrução da Nação. É fulgurante...

A entrevista para Mario Kertèsz, por sua vez, embute outra lógica: a métrica para eternos acordos e redução de danos, feitos para audiência com endereço definido e restrito. É simplismo dizer que ele tem um discurso para cada plateia.

O ex-metalúrgico se move em baliza institucional estreita, premido pela perspectiva de condenação judicial e pela possibilidade real de vencer em 2018, se a disputa for minimamente limpa. E isso o leva a emitir a dupla mensagem no meio do fogo contrário. Declara guerra e iça a bandeira branca ao mesmo tempo.

Uma nova gestão petista periga ser mais rebaixada em enfrentamentos do que o mandato 2003-07. Isso não acontecerá apenas pela vontade do ex-mandatário, mas porque a correlação de forças é pior e porque as classes dominantes estão unificadas, ao contrário do que ocorreu há 15 anos. Mesmo assim, o grande capital não o engole em condições normais de temperatura e pressão. Alguém com sua impressionante legitimidade pode um dia ser incontrolável.

O diferencial real e concreto em Lula é sua campanha. Até agora e por maior que seja seu esforço, nenhuma fração burguesa significativa tem a perspectiva de se somar à sua pregação. Reportagens devastadoras nos noticiários televisivos, manchetes de jornais e revistas e obscuros magistrados loucos por aparecer, tudo pesa contra. É a materialização de uma maior agressividade do capital em tempos de crise, num novo ciclo de acumulação e concentração no plano global.

Por isso são inúteis os apelos de Lula por uma frente amplíssima, que envolva os miseráveis e a alta finança, como aponta seu aceno a Meirelles, sua cria.

Juntar as críticas aos dois comportamentos do petista - a pregação para amplas camadas populares com sua tentativa de atrair o grande capital – num único canal funciona para nós, em nossas bolhas.

Para Lula e para suas crescente plateias, parecem ser mundos diversos. Denunciar seu comportamento como “traição de classe” ou coisa que o valha é para lá de inócuo. Lula já mostrou: não pretende realizar transformação social alguma, mas buscar acordos sem luta. Está avisando para quem quiser entender. Seu intento é claro e é bobagem reclamar disso.

Embora muita gente tenha fórmulas mais eficientes na cabeça, quem atrai multidões e rompe bolhas é ele.

Resta ver se sua tática é chamar o golpismo – pois Meirelles representa o coração da ruptura de 2016 – para um chá com torradas surtirá efeito em tempos de depressão profunda, cenário muito pior do que a crise de 2002.

Quanto maior o êxito de Lula, maior alvo ele se torna

É bem possível que quanto maior o êxito das caravanas de Lula, maior seja o desejo dos golpistas de tirá-lo da disputa de 2018. Ou seja, quanto mais forte, mais incômodo ele se torna.

No entanto, dados os sinais já emitidos pelo ex-presidente – acenos a Meirelles em especial – é pouco provável que uma futura gestão embuta surpresas para os de cima.

Na real, as andanças do ex-metalúrgico não miram o enfrentamento do ano que vem. Lula está – corretamente – disputando 2017, ano que demorará muito a terminar. No pacote está a desmoralização de um governo que demonstra incrível capacidade de se manter no poder e, secundariamente, a denúncia das reformas e arbitrariedades em curso.

Embora tenha abraçado caciques peemedebistas – como Renan Calheiros e Jackson Barreto – e uma latifundiária como Katia Abreu, Lula não está errado nesse quesito. Busca atrair dissidentes do lado de lá. Não logra, no entanto, angariar apoio entre setores expressivos do capital.

Sua campanha – e a impressionante comoção popular que suscita – é que preocupa o outro lado. O verbo do ex-mandatário tem servido para, indiretamente, recolocar no prumo a autoestima de largos contingentes da população e ampliar a insatisfação com a deterioração das condições de vida.

Nada indica que essa possível consciência se transforme em movimento efetivo. Mas funciona para as classes dominantes como o fantasma da revolução negra no Haiti (1804) funcionou nas décadas finais da escravidão. O medo de uma rebelião incontrolável era externado em salões e na imprensa para que o abolicionismo não se transformasse em campanha de rua.

O mais provável é que Lula siga como um leão desdentado. Ruge, mas não morde. Mas sua ação atual alarga espaços democráticos e coloca á luz do dia o descontentamento latente.

Por isso, quem teoriza algo como o “pós-lulismo” ou a “superação do lulismo” deve levar em conta não o programa que o líder tem na cabeça, mas sua impressionante capacidade de mobilizar multidões. São essas que acendem o sinal amarelo para a malta de jagunços homiziados em Brasília e nos postos de comando do financismo.