Jairo Nicolau: “Nenhuma reforma política acabará com a corrupção”

20/10/2017 | Política

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O cientista político Jairo Nicolau em área do prédio em que mora, no Rio de Janeiro

Folha de S.Paulo – 18/10/2017

"Chega de falar em reforma política", afirma Jairo Nicolau. Há no Brasil, avalia o cientista político, uma fixação um tanto quanto fantasiosa por essas duas palavras, o que acaba por gerar expectativas irrealizáveis.

Para ele, duas das mudanças aprovadas no começo do mês pelo Congresso, o fim das coligações para eleições do Legislativo e a criação da cláusula de desempenho, já são um bom caminho para reduzir a grande fragmentação partidária no país.

Nas eleições de 2014, 28 partidos elegeram representantes para a Câmara. Vinte anos antes, em 1994, eram 16 siglas com representação na casa. "Agora é esperar alguns anos para ver os efeitos das novas regras. Podemos deixar de lado essa história de reforma."

Professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Nicolau lançou no começo do ano o livro "Representantes de Quem?" (ed. Zahar), no qual comenta as peculiaridades e as principais deficiências do modelo político brasileiro.

Folha - O que podemos esperar da reforma política aprovada pelo Congresso?

Jairo Nicolau - As medidas tomadas foram no sentido correto, uma vez que atacam o maior problema da democracia brasileira em termos de representação política: a grande fragmentação partidária. Devemos ter um enxugamento bem expressivo do número de partidos. Voltaremos ao patamar da década de 1990, com algo em torno de 10 a 15 legendas na Câmara.

O que nós precisamos é voltar a ter grandes partidos nacionais que organizem minimamente o debate político, o trabalho parlamentar, as políticas públicas. É mais fácil para o cidadão criar identidade e se posicionar quando há poucos partidos em jogo. No Brasil, com essa barafunda atual, isso é muito difícil.

Haveria um número ideal de partidos numa democracia?

Não, não há. Isso depende de muitos fatores. Mas olhando nossa história recente, nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso e no primeiro de Lula, talvez ali tivéssemos chegado a um ponto de multipartidarismo mais moderado.

A base desses governos tinha cinco, seis partidos. No governo Dilma Rousseff a fragmentação foi ao extremo. A base do governo chegou a ter 14 siglas. Um quadro completamente fora de controle.

Muitos disseram que o resultado da reforma foi pífio.

Acho que se criou uma mistificação em torno desse termo, reforma política. Vende-se uma ideia inatingível: uma refundação da política num grau que não se pode cumprir.

É fantasia imaginar que uma reforma dê conta de todos os nossos problemas políticos. Por exemplo, fala-se em reforma para acabar com a corrupção, para tornar os políticos mais qualificados.

Sinto informar, mas nenhuma mudança das regras eleitorais e da legislação fará isso.

Por isso acho que podemos parar com essa fixação por reformas. Agora é esperar alguns anos para ver os efeitos das regras aprovadas.

O senhor diz no livro que o Brasil tem o sistema partidário mais fragmentado entre todas as democracias. Como chegamos a esse ponto?

Houve uma concepção de certa liberalidade na legislação brasileira após a ditadura. Qualquer restrição era vista como um cerceamento à liberdade dos políticos. Esse era o melhor cenário para eles: trocar de legenda e não ser punido, ter acesso a vastos recursos públicos, fundar partidos quando for do interesse.

Ou seja, chegamos a esse cenário porque ele é ótimo para os políticos, embora negativo para o país.

Então por que eles próprios resolveram agora impor barreiras aos partidos?

A principal justificativa que ouvi dos políticos foi restringir o acesso ao fundo partidário.

É muito difícil ouvir um político dizer que a fragmentação partidária é nociva, que o Brasil tem partidos demais. A preocupação deles é o acesso aos recursos públicos.

Eles se deram conta de que há gente demais para dividir o bolo: 35 partidos.

Eu creio que as regras para reduzir o número de partidos não tiveram como objetivo principal gerar mais governabilidade e mais fluidez no trabalho parlamentar, mas sim concentrar os recursos do fundo partidário nas maiores legendas.

Foi aprovado um fundo público eleitoral de quase R$ 2 bilhões. O que é melhor, ou menos pior, para o país: liberar novamente as doações empresariais ou dar mais recursos públicos para os políticos?

Proibir as doações das empresas foi positivo. Com todos esses escândalos, não há como retomá-las no curto prazo.

Então era inevitável ter um maior aporte público nas campanhas. Infelizmente houve pouca discussão sobre punições, controle, transparência dos gastos. Creio que o TSE entrará nesse vazio com uma série de normativas, como fez na última eleição.

Qual foi o papel desempenhado por uma fragmentação política tão intensa na crise política que vivemos nos últimos anos?

É difícil fazer uma relação causal entre a alta fragmentação e crise de governabilidade.

De toda forma, percebe-se uma série de excepcionalidades na atual legislatura da Câmara. Uma delas foi a explosão do uso das coligações. Isso contribuiu para uma hiperfragmentação.

Os três maiores partidos (PT, PMDB e PSDB) perderam muito protagonismo em termos de tamanho.

A eleição de 2014 criou um pouco um ambiente para a emergência de partidos médios e pequenos, que, por acaso, conseguiram ter um grande operador político, o Eduardo Cunha.

O Cunha presidiu uma Câmara extremamente fragmentada, na qual os partidos perderam a capacidade de organizar essa barafunda, e adotou uma atitude muito hostil ao governo. Isso desequilibrou o jogo.

De novo: não acho que a fragmentação explique sozinha a crise e o afastamento de Dilma. Mas sem dúvida esse é um ambiente muito negativo para se governar.

A ideia de mudar o sistema eleitoral ficou, mais uma vez, pelo caminho.

Falou-se num sistema de lista fechada, em distrital misto e em distritão. Mas nenhuma proposta foi bem-sucedida. Não há consenso, não há uma diagnóstico mais exato, uma ideia força para reunir minimamente o apoio a respeito dela.

Nosso sistema proporcional de lista aberta começou em 1945, é o mais antigo do mundo. Mas, salvo na ditadura, ele nunca funcionou sem as coligações.

Então, creio que devemos passar pelo teste da lista aberta sem coligação. Esse ajuste precisa de tempo para ser sedimentado e avaliado.

Estou razoavelmente otimista de que essas mudanças, daqui a quatro ou cinco anos, gerarão um sistema um pouco mais inteligente, com menos dispersão partidária. Já seria um passo e tanto.

O que acha da proposta de candidaturas avulsas?

Sou totalmente contrário. Se observar na maioria dos países, o número de eleitos sem partido é mínimo. Estamos num momento de fortalecer os partidos, a despeito de todas as desconfianças.

Jairo Nicolau é professor titular do departamento de ciência política da Universidade Federal do Rio de Janeiro.