Jornal O Tempo: “Sem regulação, uso de coletes por babás expõe preconceitos em alguns clubes de BH”

01/03/2016 | Políticas de igualdade

João Renato Faria 

Jornal O Tempo – 28/02/2016

Pelo menos três vezes por semana, Rita Ferreira (nome fictício), 41, frequenta um dos clubes mais tradicionais de Belo Horizonte. Diante do calor e do sol forte do verão, pessoas aproveitam para se refrescarem e se divertirem nas várias piscinas do lugar. Rita não. Vestida com um colete branco que diz “acompanhante”, ela nitidamente se destaca em meio aos sócios vestidos de sungas e biquínis. Para ela, no entanto, que é babá e assídua no clube há mais de quatro anos, o colete está longe de ser um destaque.

“Quando eu visto este colete, é como se eu usasse uma roupa invisível. É como se eu não existisse para as pessoas que estão aqui. Os sócios passam por mim, mas não falam nada comigo. Apenas olham e me ignoram”, desabafa Rita. Na opinião dela, de outras babás e até mesmo de alguns associados, a roupa obrigatória em alguns clubes da capital seria preconceituosa. A reportagem de O TEMPO procurou 12 dos principais clubes de Belo Horizonte. Em seis deles, a babá é obrigada a utilizar o colete ou o uniforme. Em dois, a roupa é sugerida, mas não é obrigatória, e outros quatro liberam o acesso sem o uso do colete. 

Por enquanto, a norma não é regulamentada em BH, mas o assunto tem rendido nas rodas de conversa dos clubes da cidade, e a discordância de opiniões é grande. Para os defensores do uso da roupa, o colete ou o uniforme são necessários para manter o controle de acesso nas dependências dos clubes. “Aqui foi feito para os associados, não é um espaço público. Se paga caro por isso. Acho que toda identificação de quem é de fora do clube é necessária, além de trazer mais segurança a todos. Eu não vejo discriminação”, defende o sócio de um dos clubes da capital, que preferiu não ser identificado.

Já para outros associados, a regra desagrada. “Eu acho desnecessário. Tudo bem que a pessoa precisa ser identificada, mas pode ser algo mais discreto, como um crachá ou adesivo. Um colete coloca a pessoa em um grau de inferioridade muito grande, e não precisamos disso. Minha babá não usa uniforme em casa, então por que ela tem que usar no clube? Eu acho isso um absurdo tremendo”, contesta Sônia Vieira, 48, sócia de um dos clubes da capital.

Restrições. Nenhuma das sete babás ouvidas por O TEMPO é obrigada a vestir uniforme nas casas em que trabalham. A regra é somente no clube. “Antigamente, o uniforme era comum. Hoje, não conheço nenhuma que usa e não vejo o motivo de aqui ainda ser necessário”, questiona uma das babás, de 52 anos, sob anonimato.

Em nenhum dos clubes procurados, a babá ou o acompanhante é autorizado a utilizar piscinas e outros tipos de infraestrutura do local, como salas de televisão. Pelo telefone, ao serem questionados sobre o uso da infraestrutura dos clubes, a resposta foi sempre mesma. “A piscina é para os sócios ou os convidados. Só se comprar o convite”.

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A Organização Internacional do Trabalho (OIT) já acompanha a polêmica em outras cidades, como Rio de Janeiro e São Paulo. Para a entidade, a obrigatoriedade do uniforme não é irregular – desde que não haja ônus ou descontos na folha de pagamento dos trabalhadores –, mas a regra traz à tona uma espécie de “segregação velada” em espaços sociais. “Um uniforme indica uma profissão ou ocupação, que frequentemente reflete um status social específico. Alguns profissionais podem gostar desse status social, mas outros não, especialmente se ele reforçar visões discriminatórias existentes e relacionadas a uma ocupação”, afirmou a especialista de trabalho doméstico da OIT, Claire Hobden.

Para a também especialista de trabalho da organização Amelita King Dejardin, os coletes têm um significado diferente dos jalecos utilizados por médicos, por exemplo. “Muitos não percebem o que está por trás de normas como essa. Não é apenas um uniforme. É uma forma de identificar uma classe social diferente. As discussões ajudam a trazer à tona um problema que hoje é velado”, disse.

Colete da discórdia. Clubes de Belo Horizonte não são unânimes quanto ao uso de uniformes por babás. Não exigem uso do colete: Clube Recreativo, Clube Belo Horizonte, Barroca Tênis Clube, Jaraguá Clube. Não exigem, mas sugerem o uso do colete ou outra identificação: Pampulha Iate Clube, Clube Campestre de Belo Horizonte. Exigem uniforme ou colete: Clube Labareda, Clube do Cruzeiro, Mackenzie Esporte Clube, Minas Tênis Clube, Olympico Club e Iate Tênis Clube. 

Minientrevista - Rita Ferreira*, Babá

Qual a diferença de trabalhar dentro de casa e em um clube? 

Toda. A começar pelo uniforme. Na casa dos patrões eu não uso, aqui tenho que usar. Por ser um lugar aberto, eu poderia sentir uma liberdade maior, mas o que acontece é exatamente o contrário. Não me sinto bem quando venho aqui ao clube. 

A senhora se sente discriminada ao usar o colete no clube? 

Quando eu visto esse colete é como se vestisse uma roupa invisível. É como se eu não existisse para as pessoas que estão aqui. Posso contar nos dedos os momentos em que algum associado conversou comigo. Eles não falam nada. Apenas olham e ignoram você. É discriminação sim. 

O que representa o colete ou o uniforme branco para a senhora? 

É puro preconceito. Na minha opinião dá um ar mais rico, de elite, ao clube. Acho que poderiam me identificar de outra forma. Não quero usar a piscina e nem nada disso. Só quero poder ter a dignidade de ninguém ficar olhando torto para mim.