José Eustáquio Diniz Alves: "O Brasil fecha 1,487 milhão de empregos formais entre março e maio de 2020"

01/07/2020 | Economia

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José Eustáquio Diniz Alves

EcoDebate, 01/07/2020

“Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”

Artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (10/12/1948)

O Brasil é um país caracterizado por uma alta informalidade no mercado de trabalho. O percentual do emprego formal – aquele com proteção social e maior produtividade média – nunca ultrapassou a marca de 50% da população economicamente ativa.

Mas houve um período que a informalidade caiu e o volume do emprego formalizado subiu. Segundo os dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, o estoque de emprego formal que era de 22,8 milhões de postos em dezembro de 2002, apresentou um grande aumento durante a época do superciclo das commodities e chegou a 41,3 milhões de postos em novembro de 2014. Mas este período relativamente áureo do mercado de trabalho ficou no passado e o estoque de emprego decresceu desde as eleições presidenciais de 2014. Somente entre novembro de 2014 e novembro de 2016 houve uma redução líquida de 3 milhões de vagas.

O gráfico abaixo mostra as variações mensais de dezembro de 2014 a maio de 2020. Até março de 2017 as variações negativas (barras em vermelho) predominavam. A partir de abril de 2017 os saldos positivos (barras em azul) predominaram, embora as quedas nos meses de dezembro puxaram a média para baixo. O fato é que entre dezembro de 2104 a fevereiro de 2020, ou seja, antes da pandemia da covid-19, o saldo foi uma perda de 2,3 mil empregos formais. Portanto, a situação já estava ruim.

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Mas o que estava ruim piorou a partir da recessão gerada pelo surto do novo coronavírus. Somente nos meses de março a maio houve uma perda líquida de 1,49 milhão de empregos. Desta forma, a redução total de empregos de dezembro de 2014 a maio de 2020 foi de 3,75 milhões de empregos em 66 meses, ou 56,8 mil empregos por mês ou quase 2 mil empregos formais perdidos por dia, conforme gráfico acima.

O gráfico abaixo mostra que entre maio de 2014 e maio de 2020 houve uma redução de 3.534.974 postos no estoque de emprego formal no Brasil. Ou seja, o nível de emprego atual registrado no Caged é 3,5 milhões menor do que há 6 anos. A população brasileira cresceu, muitos jovens passaram a demandar emprego, mas as oportunidades diminuíram.

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Tudo isto é agravado pela situação do mercado de trabalho como um todo. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), do IBGE, divulgada dia 30/06, o nível da ocupação (percentual de pessoas ocupadas na população em idade de trabalhar) caiu para 49,5%, o menor da série histórica iniciada em 2012, com redução de 5,0 p.p. frente ao trimestre anterior (54,5%) e de 5,0 p.p. frente a igual trimestre de 2019 (54,5%). A taxa composta de subutilização chegou a 27,5%, com o número de pessoas subutilizadas ultrapassando 30 milhões de trabalhadores, recorde absoluto da série.

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Como tenho escrito reiteradamente, o desemprego e a subutilização da força de trabalho neste momento é uma verdadeira catástrofe, pois estamos em um instante singular da história brasileira, um momento que só acontece uma única vez na história de qualquer país. É quando a proporção de pessoas em idade ativa está em seu ponto máximo e a proporção de pessoas em idade não produtiva ou menos produtiva (crianças e idosos) está em seu ponto mínimo. Conhecido como “bônus demográfico” este acontecimento especial é aquele evento indispensável para a decolagem do desenvolvimento socioeconômico de qualquer país. Não existe nenhuma nação com altíssimo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) que não tenha aproveitado as oportunidades de uma baixa razão de dependência demográfica.

Esta nova configuração demográfica exigiria que as políticas econômicas e sociais se adaptem à nova realidade populacional, fortalecendo as políticas de educação e emprego. Infelizmente a crise econômica que começou em 2014 já estava fazendo o Brasil desperdiçar este momento histórico e que é fundamental para qualquer nação que queira dar um salto de qualidade de vida para a sua população.

Tudo isto significa que o Brasil está desperdiçando a sua janela de oportunidade demográfica e também desperdiçando a chance de se tornar um país rico (com bem-estar de seus habitantes) antes de envelhecer. O trabalho produtivo é a base da riqueza das nações e o pleno emprego e o trabalho decente devem ser a prioridade número um, pois é o direito humano mais desrespeitado atualmente no Brasil. Sem trabalho para todos, os demais direitos ficam comprometidos, a economia não melhora e a qualidade de vida tende a cair para toda a população nacional. Por exemplo, não há como sustentar uma renda básica de cidadania sem uma base produtiva sólida que gere riqueza via trabalho, para depois ser redistribuída.

A crise sanitária e a crise do mercado de trabalho podem ser o golpe mortal no anseio do Brasil ser uma nação com alto nível de desenvolvimento humano. O Brasil voltou aos níveis de 2010. A situação brasileira tem correspondência em toda a América Latina. O chileno Eric Parrado, economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), “América Latina levará três ou quatro anos para recuperar o PIB anterior à pandemia”.

Desta maneira, o Brasil vive a segunda e pior década perdida (2011-20) da história, sendo que a crise da segunda foi pior do que a primeira, pois a renda caiu mais e os desequilíbrios macroeconômicos aumentaram (a despeito da inflação baixa). Não há soluções mágicas para os problemas atuais. Assim, já se prevê uma terceira década perdida no período 2021-30. É o fim da esperança de um futuro de progresso e bem-estar para o país.

José Eustáquio Diniz Alves é colunista do EcoDebate e doutor em demografia