Júlio Wiziack: “A homossexualidade só deixará de ser tabu quando todos perderem o medo da diferença”

23/06/2016 | Políticas de igualdade

Folha de S.Paulo – 19/06/2016

Nunca estive na boate gay Pulse, em Orlando (EUA), nem conheci Omar Mateen. Mas seus tiros, que mataram 49 pessoas, feriram a todos nós homossexuais. A motivação do crime foi uma só: homofobia.

Em suas condolências, o presidente dos EUA, Barack Obama, deu o nome certo à coisa. Outras autoridades, religiosas e políticas, ignoraram essa realidade. Talvez por culpa.

Há países islâmicos em que ser gay é crime punido com morte. No Brasil, "bolsonaros" instigam o ódio e a intolerância contra homossexuais.

É comum encontrar relatos de gays cujos pais diziam preferir filho morto a filho bicha. Ou casos de constrangimentos diante de piadas que passavam o seguinte recado: ser gay é uma anomalia.

Assumi há mais de 20 anos. Gastei muita energia, tempo e dinheiro em terapia para quebrar a força da homofobia. Ela está em todos e também nos homossexuais. E foi aí que Mateen mais nos acertou.

Muçulmano e casado com uma mulher, o atirador mantinha relacionamentos homossexuais às escondidas. Alguns analistas viram na tragédia uma tentativa inconsciente de Mateen de matar nos outros um pedaço que rejeitava de si.

Talvez ele tivesse medo de se assumir gay e estivesse dividido entre o direito de ser ele mesmo e o "dever" de ser heterossexual, cumprindo um anseio de sua família ou de sua religião. Se isso aconteceu, o motivo é o mesmo: homofobia.

Esse processo se embrenha no inconsciente sem que, muitas vezes, nos demos conta. Ainda hoje me pego sendo testado. Que atitude tomar quando o taxista pergunta se sou "bambi" (em tempo: torcedor do São Paulo)? Ou quando um amigo heterossexual xinga o outro de "viado"? Sim, a homossexualidade continua associada a um palavrão. O que responder para o vendedor da loja no shopping quando ele pergunta se meu marido é meu irmão ou primo?

Para sair dessas saias justas, quase sempre me revelo, saio do armário. Mas, às vezes, escapo pela tangente ou me omito por medo de discriminação. Quando isso acontece, mais uma vez, é a homofobia que se manifesta.

Em geral, as pessoas temem o que não conhecem e a verdade é que não somos iguais, embora tenhamos tantas coisas em comum. Sou casado há 11 anos. Meu marido e eu trabalhamos, pagamos impostos, ajudamos a família, enfrentamos nossas diferenças e dificuldades. Queremos ser tratados como todo mundo.

Avançamos muito nos últimos anos, mas esse assunto só deixará de ser um tabu quando todos, independentemente de sua orientação sexual, perderem o medo da diferença.

Para isso, é preciso mostrá-la, falar abertamente, mesmo sabendo que mais exposição gera mais reação. Até lá, colecionaremos atentados à nossa identidade e ao direito de sermos quem somos. 

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