Laura Carvalho: “Ameaça de aumento do IR pode ajudar a reduzir meta fiscal”

17/08/2017 | Economia

Temer.jpg

O governo e sua base parlamentar sabem bem onde amarraram seu burro —ou seu pato amarelo

Folha de S.Paulo – 08/08/2017

Menos de 24 horas depois de ter admitido que membros da equipe econômica estudavam, entre outras medidas, a criação de uma nova faixa de tributação do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) com alíquota de 35% para rendas superiores a R$ 23 mil mensais, Michel Temer tratou de tranquilizar sua base garantindo que nem sequer enviaria tal proposta ao Congresso.

A medida seria a primeira a distribuir um pouco melhor os custos do ajuste fiscal, que desde 2015 vem atingindo sobretudo a provisão de serviços públicos, a ciência, a cultura e a infraestrutura do país.

Além do significativo impacto arrecadatório em meio ao risco de paralisação da máquina pública, a proposta ajudaria a tornar o sistema tributário brasileiro menos injusto, sobretudo se viesse junto com o fim da isenção de tributação para dividendos.

Segundo os dados de 2015 da Receita Federal, os brasileiros com renda média mensal de R$ 135 mil —que representam 0,1% dos declarantes— pagaram alíquota efetiva de IRPF de apenas 9,1%. Ainda no topo da pirâmide, o 0,9% dos declarantes com renda média mensal de R$ 34 mil pagou 12,4% de alíquota efetiva.

Ou seja, a alíquota máxima de 27,5%, que incide sobre rendas superiores a R$ 4.664, não se aplica a boa parte dos rendimentos dos mais ricos. A isenção de tributação dos dividendos, que data de 1995 no Brasil, é a principal responsável por essa aberração.

Elevar a alíquota máxima de IRPF e retirar a isenção para dividendos seria um primeiro passo para corrigir nossas graves injustiças tributárias.

Nos Estados Unidos —país que dificilmente poderia ser considerado um exemplo de tributação justa—, os dividendos são taxados e a alíquota máxima de IRPF é de 39,6%.

Estimativas apresentadas por Rodrigo Orair e Sergio Gobetti em estudo do Ipea de 2016 sugerem que, se mantidas as alíquotas atuais de IRPF, o fim da isenção de dividendos traria uma receita adicional de mais de R$ 70 bilhões ao governo —a metade do deficit primário já aprovado para este ano.

Se, além disso, fosse cobrada uma alíquota de 35% para rendas muito elevadas, a arrecadação aumentaria em pelo menos R$ 90 bilhões.

Solucionados os problemas fiscais de curto prazo, uma reforma tributária progressiva promoveria, na sequência, a redução dos impostos sobre o consumo e a produção de bens e serviços —esses, sim, demasiado elevados no Brasil.

Considerando seu caráter progressista, não era mesmo de esperar que esse tipo de proposta vingasse em um governo cujos objetivos não parecem confundir-se com os da sociedade.

Antes mesmo de a nota de Temer ser divulgada, no início da noite de terça-feira (8), o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, já havia anunciado que não colocaria a medida em votação.

Se o governo e sua base parlamentar sabem bem onde amarraram seu burro —ou seu pato amarelo—, deixar escapar que medidas como essa estão sendo estudadas pode ter sido apenas um jogo de cena.

Diante da ameaça ao patrimônio dos mais ricos, até mesmo uma redução da meta fiscal passaria a ser recebida com carinho.

Laura Carvalho é professora do Departamento de Economia da FEA-USP com doutorado na New School for Social Research (NYC).