Luciana Romagnolli: “Quem tem medo de um cinema que humanize as mulheres”

16/06/2016 | Políticas de igualdade

Jornal O Tempo – 12/06/2016

Callie Khouri não teve a chance de dirigir o próprio roteiro. Sua ideia inicial era fazer de “Thelma & Louise” um filme de baixo orçamento, com estética documental. Foram várias recusas de estúdio até que a MGM assumisse o projeto, e o diretor Ridley Scott (de “Alien” e “Blade Runner”), a direção.

Em 2015, como em 1991, são baixos os números tanto de mulheres protagonistas quanto em funções de direção e criação. Mas iniciativas como o prêmio Cabíria e o encontro Quem Tem Medo das Mulheres no Audiovisual?, realizado pelo Coletivo Vermelha em São Paulo, em março, batalham para mudar o cenário.

Enquanto isso, ainda, “no Brasil, mulher é (vista como) café com leite”, diz a diretora Anna Muylaert. “Há um vício mental do homem reconhecer outro homem, porque está acostumado a olhar a mulher como objeto de desejo ou nem olhar. Quantas vezes fui preterida por jovenzinhos sem levar em conta o meu trabalho? Tenho certeza de que o (Michel) Temer não pensou um minuto em uma ministra mulher, de tão natural que assuntos importantes sejam tratados só por homens. Onde há dinheiro, a mulher não está. Quanto mais tive sucesso, mais senti o sexismo”, relata a cineasta.

Para as entrevistadas, não há dúvidas sobre o que sustenta essa desigualdade: o sistema patriarcal. “No audiovisual, as mulheres são bem vistas em posições relacionadas ao trabalho doméstico. Com mais frequência, elas são maquiadoras, figurinistas, diretoras de arte (embelezadoras da casa), montadoras e produtoras (organizadoras da casa). Já os postos mais criativos são majoritariamente dados aos homens: roteiristas, diretores de fotografia e, claro, diretores. Não é preciso refletir muito para perceber o que essa divisão social do trabalho significa”, analisa a crítica Carol Almeida – aliás, crítica de cinema é outro campo com evidente predomínio masculino.

Imagem. Além disso, segundo Carol, “a construção da imagem da mulher no cinema é classicamente relacionada à figura frágil e passiva”. “Chega a ser assustador o quanto nós mesmas nos acostumamos a contemplar a figura feminina no cinema a partir dessa lente masculina voyeur, da diva de um rosto perfeitamente iluminado. Me habituei a ver cenas de estupro, tal como a de ‘Thelma & Louise’, como elemento ‘necessário’ à narrativa. Desconstruir esse olhar exige esforço e coragem. Duas qualidades próprias das mulheres que trabalham no audiovisual”, completa.

Quando “Que Horas Ela Volta?” foi indicado pelo Brasil à disputa do Oscar, Muylaert ouviu de sua publicista que “filme com protagonista mulher de meia idade é muito difícil entrar”. “Fiz uma contagem simples dos ganhadores do Oscar em 56 anos. Apenas quatro são protagonizados por mulheres! São 45 por homens e sete por casais, e, mesmo assim, quase sempre o ponto de vista é dos homens”, analisa a diretora. “A maioria da nossa cinematografia é feita de personagens homens dominadores e mulheres com obrigação de serem bonitas e servir. Isso forma nossa mente”.

Numa entrevista recente, Geena Davis observou que “Hollywood supõe que mulheres verão filmes com homens, mas homens não verão filmes com mulheres”. “Mad Max: Estrada da Fúria” foi alvo de um boicote promovido por movimentos misóginos, mesmo assim, cravou R$ 300 milhões nas bilheterias em 2015. Agora, os machistas jogam pedras em “As Caça Fantasmas”, que traz mulheres comuns – leia-se: não moldadas como objetos sexuais para o olhar masculino – nos papéis principais. O trailer bateu recorde de “descurtidas” no YouTube: são mais de 867 mil.

Muylaert teve uma experiência melhor com seu “filme protagonizado por mulheres contemporâneas”, como diz: “Nenhuma delas é modelo, são brava gente brasileira, com atitude”. “Mas o cinema não chegou na mulher contemporânea”, avalia.

A questão também é que tipo de mulher o público está disposto a ver nas telas – ou os executivos estão interessados em bancar. “São as mulheres as personagens mais expostas à nudez e, quando falamos de mulheres negras, a situação se torna muito mais grave”, avalia Carol, citando o Tumblr Audiovisual Machista e Racista como fonte de depoimentos.

“A mulher objeto vende. Vende carro, cerveja, moda, tudo. Essa história de que os homens não vão querer ver filmes com protagonistas mulheres é medo de transformar o desejo, os problemas, as questões e os dramas femininos em algo com que possam se identificar. Se eles enxergarem as mulheres como iguais, toda uma sociedade patriarcal pode colapsar! O medo é de o ser humano se ver tanto no masculino como no feminino”, conclui Joana.

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