Mara Gama: “Cidade do México inaugura polêmicos jardins verticais sob elevado”

17/08/2016 | Meio ambiente

Folha de S.Paulo – 22/07/2016

Há dez dias foi inaugurada pelo governo local a primeira fase de um plano ambicioso –e polêmico– para cobrir de verde 1.038 colunas que sustentam o elevado Periférico, numa das artérias da capital mexicana. Se levado a termo, em cinco anos o projeto terá colocado os 27 km de vias sob o viaduto em uma mancha de plantas. Serão ao todo 60 mil metros quadrados em painéis verdes aplicados nos pilares de concreto.

Criado pela empresa Verde Vertical, o ViaVerde se vende como o maior projeto de naturação do planeta. A naturação urbana é o processo de ampliação da mancha verde através de corredores conectados que reduzem a temperatura, aumentam as interações ecológicas, colhem água de chuva e filtram o ar.

No projeto mexicano, está previsto um grande sistema de captação de chuva, filtragem e armazenamento de cerca de 32 milhões de metros cúbicos por ano. Serão 20 centros de estoque para as águas luviais com áreas de tratamento que alimentarão um sistema de regas gerenciado por sensores de temperatura e umidade. Segundo a empresa, os jardins podem filtrar mais de 27 mil toneladas de gases poluentes e captar 10 toneladas de metais pesados.

A instalação do projeto está orçada em 300 milhões de pesos mexicanos, o que equivale a cerca de R$ 52 milhões. A manutenção mensal custaria 23 milhões de pesos (R$ 400 mil).

A empresa obteve licença do poder público para o uso das colunas com exploração publicitária de 10% do espaço: uma em cada dez colunas terá anúncios (banners). Como o espaçamento médio entre as colunas é de 35 metros, a cada 350 metros quem trafega embaixo do elevado verá propaganda em seu trajeto.

Foi na internet que a ViaVerde começou a sondar a aceitação do projeto, no ano passado. A largada foi um questionário, em setembro de 2015, que alardeava os benefícios ambientais e perguntava também qual seria a melhor forma de financiar a iniciativa, oferecendo três alternativas: (a) Que a conta fosse paga pelo governo com impostos e que ele se encarregasse da construção e da manutenção (obteve 38,5 % dos votos); (b) Que os cidadãos custeassem, através de um fundo, com o governo facilitando permissões e operação (obteve 6,34% dos votos); e (c) Que fosse pago pela iniciativa privada, em troca de permissão de publicidade em 10% das colunas (com 47% dos votos). O questionário foi respondido por 2.400 pessoas.

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Fazendo propaganda do resultado da sondagem, a empresa partiu para uma petição on-line para pressionar o governo municipal pelo site Change, que foi assinada por mais de 84 mil pessoas. Fotos, vídeos e desenhos do projeto vêm sendo publicados em sites dedicados a temas de sustentabilidade com elogios à iniciativa. Mas, depois da inauguração, a recepção interna não foi nada pacífica.

No Twitter e nas redes, o projeto foi acusado de fazer maquiagem verde para um governo que não teria preocupações ambientais legítimas e nem visão urbanística, que tem recordes de cortes de árvores e privilegia a cultura dos carros em suas ações.

Foram questionados também os benefícios ecológicos prometidos para a cidade, a transparência do sistema de venda de publicidade em espaços públicos e os altos custos do projeto. Com o investimento aplicado em cada coluna verde poderiam ser plantadas centenas de árvores em áreas degradadas, por exemplo, com benefícios muito maiores, argumenta parte da crítica.

Seis dias depois da inauguração, o site da Radio Arquitectura promoveu um encontro entre o arquiteto Fernando Ortiz Monasterio, criador da ViaVerde, e um dos mais ativos críticos do projeto, o diretor da revista Arquine Alejandro Hernandez Galvez.

Monasterio se disse assustado com a violência verbal das críticas que o projeto tem recebido na rede. "O que as pessoas querem? Sangue?", perguntou. "Me parece que estamos dividindo a cidadania ao meio". "Na falta de um governo competente, deveríamos somar".

Ele afirmou que o primeiro objetivo do projeto é tentar zerar o déficit de áreas verdes por habitante na capital mexicana. Disse que vê o ViaVerde como "um projeto de recuperação de imagem urbana com benefício ambiental". Concordou que o projeto não pode ser visto como política ambiental e disse que não se trata de escolher entre plantar árvores e fazer o jardim vertical, e sim melhorar o que se tem, pois o elevado está feito.

Martinez definiu o ViaVerde como um negócio, com apoio popular, "para embelezar as colunas do elevado", usado pelo governo "para fazer de conta que é política pública". Monasterio discordou: "é um projeto de recuperação de áreas verdes e o único caminho para fazer é com a publicidade". Briga boa.