Mathias Alencastro: “Mais que nunca, o espelho do PT é o peronismo”

13/11/2019 | Política

Se governo de Fernández der certo, partido vai repetir experiência de 2018, desta vez com Lula no cockpit

Publicado na Folha de São Paulo, no dia 11 de novembro de 2019 | Por Mathias Alencastro*

Mais preocupado em perseguir Tabata Amaral do que em fazer oposição a Bolsonaro, Ciro Gomes perdeu a oportunidade de ocupar o vazio, e Lula, com uma facilidade contundente, voltou a assumir o lugar de líder da oposição.

Seu regresso reorganiza o tabuleiro político. E, num Brasil onde a política doméstica nunca foi tão internacionalizada, os espelhos de fora serão decisivos.

Esqueçam os modelos da geringonça portuguesa ou da nova esquerda dos Estados Unidos. Mais do que nunca, o espelho do PT é o peronismo.

A vitória de Alberto Fernández chancelada por Cristina Kirchner dá credibilidade à tese de que as contradições inerentes do partido potencializaram a derrota de Fernando Haddad.

Enquanto a presença de Kirchner manteve a ala kirchnerista do peronismo coesa e disciplinada, a ausência de Lula durante a campanha exacerbou as tentações antropofágicas dos petistas. Se o governo de Fernández der certo, o PT vai repetir a experiência de 2018, só que desta vez com Lula no cockpit.

Todos sabemos que Jair Bolsonaro, desde o primeiro dia de governo, se colocou na sombra de Donald Trump.

Uma aposta cega que rendeu muitos benefícios durante a campanha e nos primeiros meses de governo. A associação dos dois dava a impressão de que Bolsonaro não era uma anomalia do sistema democrático, mas um fenômeno do seu tempo, que permitia ao Brasil acompanhar o bonde da história.

Resta saber como vão ser escritas as próximas páginas. Se Trump sair do poder por impeachment ou por derrota eleitoral, o governo Bolsonaro perde a sua razão de existir.

Por outro lado, se Trump vingar, ele se beneficiaria de um novo impulso num momento decisivo. Em suma, para Bolsonaro, importa tanto o voto do eleitor de Nevada em 2020 como o do eleitor do Ceará em 2022.

Resta o espelho de Emmanuel Macron. Embora tenham procurado se distanciar do presidente francês por conta das tensões Brasil-França e da própria imagem de Macron, significativamente danificada pelos "coletes amarelos", as lideranças políticas no Brasil e alhures continuam vendo a revolução centrista francesa como uma aspiração.

Só nos últimos dias, assistimos ao funeral de uma das experiências centristas mais promissoras —a do espanhol Cidadãos, dizimado na eleição deste domingo (10)— e ao possível nascimento de uma nova —a pré-candidatura de Michael Bloomberg nas prévias do Partido Democrata. 

Mas é a trajetória de Macron, que recentemente se posicionou como guardião do templo liberal, que vai formar a narrativa.

Se ele derrotar Marine Le Pen uma segunda vez e confirmar a perenidade de seu projeto em maio de 2022, o tropismo macronista regressará em força e Luciano Huck será apresentado como o mais apto a derrotar a extrema direita.

Devem ser adicionados a esse grupo os onívoros Ciro Gomes e João Doria, capazes de se declararem próximos de qualquer liderança ou ideologia para chegar ao topo —comicamente, ambos se apresentaram como o “Macron brasileiro” em 2018.

De uma forma ou de outra, a confirmação do regresso da esquerda na América Latina, a consolidação do centrismo como bastião das democracias liberais e a afirmação da extrema direita no Atlântico Norte terão importância decisiva para dinâmica eleitoral de 2022.

*Mathias Alencastro é pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).