Mauro Calliari: “A transformação da cidade vem de baixo para cima”

31/07/2020 | Nossas cidades

Mauro Calliari

Estadão, 29/07/2020

Participei de um exercício incrível no fim de semana passado: analisar 41 projetos de intervenções em espaços públicos de São Paulo, num total de 12 horas de apresentações online.

Recebi o convite (melhor já explicar que se trata de trabalho voluntário) para ajudar a equipe do mandato do vereador José Police Neto, (PSD) a escolher e avaliar projetos que receberam verbas de uma emenda parlamentar, junto com o arquiteto Marcos Boldarini e a engenheira Dalva Marques, sob coordenação de Marcelo Rebelo, da organização Cidades.co.

Como se sabe, cada vereador dispõe de uma verba anual, a emenda parlamentar, para destinar a diferentes projetos nos bairros. Coisa de 4 milhões de reais por ano. Ao invés de escolher o destino de todo esse dinheiro, o mandato resolveu destinar um milhão para projetos escolhidos através de um concurso para a escolha dos projetos dos destinos.

A apresentação foi uma pequena maratona. Cada equipe inscrita tinha 5 minutos para apresentar a ideia (que já estava detalhada para os jurados), mais 5 minutos de perguntas e 5 minutos para dar uma nota. E aí vinha outra equipe. Assistimos a dezenas de projetos de becos, hortas, vielas, calçadas, praças e até escadarias.

Apesar do pequeno massacre de tanto tempo olhando para a tela, a experiência foi fantástica. Além de ver seis projetos ganhando verbas para mudarem a cidade um pouquinho, surgiram muitos insights sobre as transformações de pequenos espaços na cidade:

Só quem usa sabe exatamente qual é o problema de cada lugar. Assim, as propostas, às vezes com ajuda de arquitetos e voluntários, tratam de melhorar a urbanidade, instalar pequenos equipamentos, luminárias, piso, pontos de bicicleta e plantar árvores e hortas.

O engajamento das pessoas parece ser a fórmula mágica para que as melhorias seja cobradas e os lugares usados. Quem usa, cobra e se torna responsável. Estamos vivendo um momento em que cada vez mais gente está se sentindo responsável pelos lugares que frequenta e foi um alento comprovar isso através de tantos projetos interessantes.

A gestão pública poderia se aproximar muito mais desses problemas locais se tivesse mais agilidade e descentralização

Há uma evidente disfunção na distribuição de verbas públicas, quando questões simples como tapar um buraco numa calçada dependem de programas centralizados.

As subprefeituras hoje têm pouca verba e poucos recursos para tocar pequenos projetos.

Com o mesmo dinheiro, mas mais descentralizado, quem sabe quantos pequenos projetos transformadores nós poderíamos ver pipocando na cidade? Da mesma forma, as verbas do legislativo são distribuídas com critérios pouco transparentes.  Talvez esse concurso possa inspirar uma discussão sobre isso.

Pessoalmente acredito que quanto mais descentralizadas forem as decisões de uso de espaço público, melhor. Nesse sentido, poderíamos discutir na reforma política (se houver) o voto distrital, que parece ser um avanço no sistema  de representação local, atribuição de responsabilidades e de verbas.

Como é bom ver gente engajada na melhoria de seus espaços públicos!

Os grupos eram constituídos na maioria de moradores com o auxílio de ONGs,  arquitetos e diversas organizações (teve até escola de samba!). Gente que se juntou numa praça e resolveu fazer algo para melhorar a área dos cachorros. Ou pessoas que se preocupam com o estado das calçadas e o risco de atropelamento. Ou ainda gente que olha para o lixo numa viela da periferia e resolve propor uma melhoria.

E como os problemas de São Paulo são diversos! Por conta da pandemia, não fomos visitar os lugares, mas as fotos e as descrições dão conta do tamanho da encrenca, desde a simples falta de zeladoria, até a presença de traficantes, passando pelo lixo, a insegurança e o desmazelo urbano.

A transformação da cidade vem de baixo para cima.

Mauro Calliari é administrador de empresas e doutor em Urbanismo.