O Globo: Custo de privatização da Previdência pode chegar a 100% do PIB (R$ 6,6 trilhões)

07/02/2019 | Direitos do povo

0041.jpg

Danielle Nogueira

O Globo – 21/10/2018

O envelhecimento da população e a crescente pressão nas contas públicas levam países ao redor do mundo a rever seus sistemas de previdência. Ao menos 32, como Chile, México e Reino Unido, já adotaram o regime de capitalização obrigatória, segundo dados da Federação Internacional dos Fundos de Pensão. Nesse modelo, o valor da aposentadoria do trabalhador depende de com quanto ele contribuiu.

Embora apontado por candidatos à Presidência e assessores como uma saída para o déficit da Previdência no Brasil, a mudança do atual regime de repartição para o de capitalização tem custo alto. Baseado na experiência de outros países, especialistas estimam que pode chegar a 100% do Produto Interno Bruto (PIB), cerca de R$ 6,6 trilhões no Brasil, ainda que diluído ao longo de anos de transição.

Na maioria dos países que adotaram essa solução, a capitalização foi implementada de forma complementar ou em substituição à repartição —em que os mais jovens no mercado de trabalho contribuem para as aposentadorias dos mais velhos. Como os trabalhadores que migram para o novo regime deixam de contribuir para o sistema antigo, abre-se um rombo no financiamento das aposentadorias que seriam concedidas aos que contribuíram sob as regras anteriores.

Esse custo é assumido pelo Estado. Para arcar com essa conta, nenhuma transição para a capitalização pode ir adiante sem um ajuste fiscal, dizem estudiosos do assunto. No Chile, pioneiro na adoção do regime na América Latina, em 1981, o custo foi coberto com um misto de aumento de impostos e corte de gastos em volume equivalente a 5% do PIB por ano, em média, ao longo de duas décadas.

Ainda hoje, essa conta está sendo paga pelos chilenos. — Por isso, a reforma da Previdência não deve ser um debate isolado. Tem de ser acompanhada por ajuste fiscal e reforma tributária —diz Flávio Ataliba, presidente do Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará, para quem o custo de um sistema misto de repartição e capitalização é viável no Brasil. Além do Chile, nove países da América Latina adotaram a capitalização.

O sistema tem simpatia de Paulo Guedes, assessor econômico de Jair Bolsonaro( PSL). Ele defende que quem entrar no mercado de trabalho possa optar por aderir à capitalização ou ao modelo atual. Quem já trabalha continuaria sob as regras da repartição. Guedes não diz como a transição seria custeada. Fernando Haddad (PT) não previa reforma da Previdência em seu plano de governo, mas admitiu recentemente que, se eleito, estudará a proposta de Ciro Gomes (PDT), inspirada nas ideias de Ataliba.

O plano tem três pilares: renda mínima universal; regime de repartição com teto menor que os R$ 5 mil atuais; e capitalização. Neste caso, o custo de transição não chegaria a 100% do PIB, pois a migração para a capitalização seria parcial. Na maioria dos países em que a capitalização obrigatória foi adotada, o Estado garante renda mínima aos mais pobres e complementa o benefício daqueles que cumpriram os requisitos para se aposentar, mas não conseguiram poupar o suficiente.

A aposentadoria aquém do esperado é um dos problemas desse modelo, principalmente em economias com altas taxas de trabalho informal, como as da América Latina. No Chile, 79% das pensões pagas entre 2007 e 2014 eram inferiores a um salário mínimo. —A informalidade é grande no Chile, assim como no Brasil. Isso faz com que muitos trabalhadores não contribuam ou contribuam de forma intermitente.

Aí não conseguem economizar o suficiente para a aposentadoria —afirma Felipe Bruno, líder de previdência da consultoria Mercer Brasil. Além disso, as taxas dos fundos de previdência privados —responsáveis pela administração das contas individuais em que os trabalhadores chilenos depositam suas contribuições —são altas. Esse custo não existe no modelo de repartição, no qual as contribuições vão para uma conta única, gerida pelo Estado.

‘SINAIS DE ESGOTAMENTO’

Felipe Bruno alerta para a necessidade de se calibrar bem os parâmetros da capitalização. No México, a alíquota de contribuição é de apenas 6,5% sobre o salário do trabalhador. É uma das mais baixas dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Passados 20 anos da reforma, o México discute o aumento do percentual.

Para o Brasil, Felipe Bruno defende um modelo misto que incluiria previdência pública para até três salários mínimos, uma perna de capitalização obrigatória e outra de planos privados opcionais. Na avaliação de Ataliba, o sistema de repartição é essencial para assegurar um colchão para os trabalhadores.

Alberto Arenas, ex-ministro da Fazenda do Chile e atual assessor regional da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal),concorda: —O sistema de aposentadorias fundado apenas na capitalização individual apresenta sinais de esgotamento na região. Há uma tendência de retomar princípios básicos de seguridade social.

Especialistas enfatizam que uma introdução da capitalização no Brasil não deve enterrar a reforma do sistema atual. Nem Bolsonaro nem Haddad dão detalhes de como fariam essa reforma.