Paulo Nogueira Batista: "Brasil é grande demais pra ser quintal"

04/10/2019 | Economia

Seu novo livro narra os bastidores das disputas geopolíticas envolvendo os EUA e os Brasil

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Brasil de Fato, 25/09/2019

Antonio Biondi e Napoleão de Almeida

"O Brasil, quando se assume como o grande país que é, não cabe no quintal de ninguém. É importante que o brasileiro saiba disso”, afirma o economista Paulo Batista Nogueira Júnior, em referência ao título do livro que ele lança nesta quarta-feira (25) em São Paulo, intitulado O Brasil não cabe no quintal de ninguém (Editora Leya, 448 páginas).

Nesta entrevista ao Brasil de Fato, Nogueira Batista cita o ex-chanceler Celso Amorim ao afirmar que o país precisa se livrar de vez da “nanomania” (mania de ser pequeno), que voltou a se acentuar com a chegada de Jair Bolsonaro (PSL) e seu grupo ao poder.

“O Brasil é um dos cinco países que fazem parte das listas dos dez maiores territórios, das dez maiores populações e das dez maiores economias. Só caberia no quintal de alguém se fosse quebrada a unidade nacional”, lembra ele, citando as outras quatro nações – EUA, Rússia, Índia e China – e dando a deixa para falar do assunto principal do livro, que é a análise da disputa geopolítica em torno desses países, a partir da visão de quem esteve no centro dela por 10 anos.

Entre 2007 e 2017, Nogueira Batista trabalhou no Fundo Monetário Internacional (FMI), em Washington (EUA), e foi vice-presidente do Banco do Brics, que ele ajudou a criar, em Xangai (China). O Brics é a instituição que reúne quatro daqueles maiores países citados por ele – Brasil, Rússia, China, Índia –, mais a África do Sul, e que nas últimas décadas vem tentando fazer frente à hegemonia dos EUA nas relações internacionais.

Ao narrar sua experiência, o economista, de 64 anos, fala da liderança do Brasil nesse processo em torno de uma nova agenda mundial, durante os governos do PT, e de como isso se perdeu a partir do golpe de 2016, que depôs a presidenta Dilma Rousseff e voltou a colocar o Brasil na condição anterior de subserviência aos interesses estadunidenses.

Nogueira Batista ressalta que, ao contrário do que ocorre com outros países, no Brasil os EUA não precisaram “dar a cara a tapa” para retomar o controle sobre nossa economia e nosso processo político.

“Eles encontram na elite brasileira um monte de sujeitos disponíveis pra fazer o trabalho deles. Porque esses vira-latas nacionais, desculpem-me a ênfase, se orgulham de receber mensagens do império”, diz o economista, lembrando algumas passagens de sabujismo explícito que vivenciou quando trabalhava no FMI.

Na entrevista, ele faz um balanço dos avanços econômicos e dos erros cometidos pelos governos brasileiros nas últimas décadas (FHC, Lula e Dilma), e do “desastre” que tem sido a gestão Bolsonaro. “Esse pessoal que está aí hoje não tem projeto algum. Tem uma agenda confusa, liberal, misturada com um projeto regressivo. Com esse discurso costurado, não vai recuperar a confiança. Esse governo não tem projeto. Só tem projeto de destruição”.

Nogueira Batista conclui com uma mensagem de esperança e um alerta: “Estamos pagando um preço altíssimo por ter levado essa figura à presidência da República. Nós vamos resistir a isso tudo. Mas é preciso muito cuidado, porque já vimos países destroçados pela combinação entre crise interna e pressão externa. Síria, Iraque, Líbia… Não pense o brasileiro que aqui não acontece. Podem acontecer coisas muito piores se a gente não se der conta”.

Abaixo, a entrevista:

Brasil de Fato: Professor, vamos começar falando sobre o livro.

Paulo Nogueira Batista Júnior: O livro é essencialmente um relato da minha experiência de mais de 10 anos no exterior, em Washington (EUA), primeiro, no FMI, depois em Xangai (China), no Banco dos Brics. O grosso do livro trata dessa temática. Na realidade, é uma recapitulação de uma fase da história brasileira, em que o Brasil teve um papel de protagonista no mundo, em geral, e particularmente no Fundo Monetário e nos Brics. Eu busco misturar análise econômica com o relato de bastidores das negociações em que estive envolvido. Os embates, as dificuldades que existem para o Brasil, um país emergente, em ocupar um espaço no mundo. As resistências a isso, por parte das potências tradicionais, e como isso se traduz nos embates das pessoas dentro das instituições.

O Brasil, quando se assume como o grande país que é, não cabe no quintal de ninguém. É importante que o brasileiro saiba disso. Não é teórico: o Brasil fez esse papel e pode voltar a fazer, se superar essas dificuldades em que se encontra hoje.

É um relato com olho no futuro: não se pode perder de vista que o Brasil é um dos cinco países que fazem parte das listas dos dez maiores territórios, das dez maiores populações e das dez maiores economias. Quais são: EUA e os quatro Brics originais – Brasil, Rússia, Índia e China. Só esses cinco no mundo integram a lista dos dez maiores em economia, demografia e território. Daí aquilo que o Celso Amorim diz que o brasileiro tem: “nanomania”. Mania de ser pequeno. O Brasil não permite, o Brasil é naturalmente grande, e só caberia no quintal de alguém se fosse quebrada a unidade nacional.

Fale um pouco da importância que as instituições financeiras ligadas aos Brics já desenvolvem e que podem desenvolver.

Os Brics atuaram conjuntamente a partir de 2008, por iniciativa da Rússia, que procurou os demais e propôs um mecanismo de coordenação. Nesses mais de 10 anos, os Brics, num primeiro momento, atuavam para tentar reformar as instituições existentes. E nós tivemos algum sucesso no FMI, graças à atuação conjunta destes países e mais a África do Sul, que se juntou ao grupo depois, em 2011. Em determinado momento, os Brics perceberam que a resistência à mudança em Washington era muito grande, maior do que pudéssemos supor. Não fizemos nenhum escândalo, nenhum tumulto: continuamos em Washington, trabalhando no Banco Mundial e no Fundo Monetário, mas resolvemos seguir nosso próprio caminho. Isso culminou na cúpula de Fortaleza, presidida pela [presidenta] Dilma Rousseff, onde se assinaram os tratados constitutivos dos dois mecanismos financeiros criados pelos Brics: o novo banco do desenvolvimento, que é onde eu acabaria trabalhando, e o Fundo Monetário dos Brics. Essas duas instituições estão em processo de construção. É um processo difícil, lento, que encontra muitos percalços. Entre tantos, eu destacaria um: é que o Brasil foi um dos – se não o principal – motor dos Brics num período que foi de 2008 até 2014, mais ou menos. (…) E a partir do momento em que o Brasil entra em ebulição política, em 2015, esse motor desaparece, ou se enfraquece muito.

Esse peso se deslocou para a China, que vai crescendo, ganhando experiência. Não é a mesma coisa, porque a China tem uma agenda mais estreita, não é tão abrangente como a que o Brasil tinha. Então essas instituições que nós ajudamos a criar estão prejudicadas pelo fato de um dos motores estar avariado pelas suas dificuldades internas.

O senhor diria que isso influenciou derrubada da presidenta Dilma? O Brasil incomodava sendo um dos motores dos Brics nesse período?

A Dilma teve um papel fundamental nesse processo. Eu posso contar por que eu vi. Ela tinha até mais interesse que o Lula nessa questão. É difícil responder [à pergunta], em parte, porque essas coisas não acontecem à luz do dia. Mas uma conjectura muito plausível é que isso possa ter pesado. Não digo que tanto quanto o Pré-Sal, o Petróleo, a Petrobras. Mas pesa, pois, o que são os Brics, senão um mecanismo de cooperação que envolve o Brasil, o maior país da América Latina, em aliança com dois adversários dos Estados Unidos – a Rússia e a China? Veja que eu estou falando de adversários dos Estados Unidos e não especificamente de adversários do [presidente Donald] Trump. (…) É legítimo conjecturar que os americanos tenham encarado com intranquilidade essa cooperação do Brasil com dois adversários históricos deles, ainda que a China não seja um adversário histórico, mas sim uma ameaça recente.

O que dificulta avaliar isso é que os americanos têm a vantagem de operar pelos seus prepostos locais. Então eles encontram na elite brasileira um monte de sujeitos disponíveis pra fazer o trabalho deles. Eles não precisam atuar diretamente, se identificar como agentes, mas a influência externa provavelmente existe. Como dizia Barbosa Lima Sobrinho: há dois partidos no Brasil, o partido de Tiradentes e o partido de Joaquim Silvério dos Reis. O do Joaquim Silvério está muito bem representado, permanentemente, na elite brasileira. Então, quando você tenta marcar uma posição diferente internacional, você encontra essas resistências. E às vezes esses prepostos dos interesses internos são relativamente francos e dizem, “olha, o Tesouro Americano está reclamando de você”, [risos], “o Tesouro Americano quer isso, quer aquilo”. Porque esses vira-latas nacionais, desculpem-me a ênfase, se orgulham de receber mensagens do império. Nem escondem que agem como prepostos.

Quem são esses prepostos?

No caso da minha vivência, e que eu relato no livro, são autoridades. Por exemplo, o ministro [da Fazenda] Joaquim Levy, nomeado pela Dilma na fase final. Outro exemplo são funcionários do governo brasileiro, indicados pelo [Henrique] Meirelles, que atuaram para me desestabilizar em Xangai [Meirelles presidiu o Banco Central do Brasil nos oito anos do governo Lula]. O presidente do Banco Central no governo Temer, Ilam Goldfajn, muito ligado aos EUA, também.

Se você vai ver quem são as firmas que investigam para desestabilizar os brasileiros que atuam de maneira mais independente, são certas firmas de advocacia americanas contratadas para criar problemas, entende? Baker & McKenzie, por exemplo, a mesma que atuou na questão da Petrobras.

Eu não tenho evidência de que existe uma articulação liderada pelo governo americano, mas a presença de prepostos do governo americano nos embates que eu presenciei é notória. São sempre esses prepostos, brasileiros com ligações fortes com os EUA. Com pretensões de longo prazo, de carreira e de vida. E esse é o perfil que permite que os americanos possam operar sem dar a cara a tapa, vamos dizer assim.

Houve uma época em que seguir diretrizes do FMI era como fazer um “acordo com o Diabo”. Como é essa relação hoje?

Essa questão do FMI, desde os anos 1980, eu trato no livro, porque tive uma experiência com o FMI e credores externos já nos anos 80. Em 2007, voltei ao Fundo em outra condição, trabalhando pelo Brasil. O que digo, primeiramente, é que havia diferenças, mas havia também continuidade. Tentamos mudar o FMI, conseguimos alguma coisa, principalmente no tempo do Dominique Strauss-Kahn. A crise de 2008 abriu um terreno, porque ela deixou vulnerável o status quo. E nesse ambiente conseguimos mudanças significativas. Só que, quando a crise amainou nos EUA e derrubaram o Strauss-Kahn, houve um retrocesso. Conseguimos avançar até certo ponto, mas, conforme conto no capítulo do livro “O Império Contra-Ataca”, se reestabelecem práticas anteriores. É nesse momento em que os Brics decidem que, “tudo bem, então vamos fazer o nosso fundo monetário”. E é onde eu digo: faz falta o Brasil nesse processo, que funcionava como líder dos países emergentes e dos próprios Brics. E o Brasil do Lula afirmou-se como um Brasil diferente, com uma projeção que nenhum dos outros Brics tinha ou tem. A Rússia não tem porque é atritada com metade do mundo. A Índia não tem, a China não tem, apesar de tudo. Então eu tenho certeza que os Brics sentem falta de um Brasil ativo e autônomo.

Queria uma avaliação sobre a atual economia brasileira, nossas fragilidades e potências.

A economia brasileira sofreu uma recessão profunda em 2015 e 2016. Tivemos uma queda de PIB per capita da ordem de 8%, e estacionou nesse nível deprimido, não houve recuperação em 2017, 18 e 19. O PIB per capita está estagnado praticamente. A expectativa era de que o novo governo, com o capital político das urnas, conseguisse movimentar a economia. E isso não está acontecendo, porque o governo Bolsonaro não tem um projeto de crescimento, não tem um projeto econômico claro.

Estão tentando aplicar no Brasil de 2019 ideias que já fracassaram: que o importante é fazer reformas estruturais, como a Previdência, para gerar confiança e que os empresários possam ter confiança para gastar. Não quero dizer que confiança não é importante, pois é; não quero dizer que não precise de reformas estruturais, pois precisa, talvez não essas aí; mas o que eu quero dizer é que confiança não é suficiente para recuperar um país combalido. Você tem que ter uma política econômica que crie estímulo, e isso não vem acontecendo.

Houve uma pequena redução na taxa básica de juros pelo Banco Central, mas ainda há espaço que precisa ser utilizado. A política fiscal do governo é contracionista, por conta do teto de gastos, uma política criada no Governo Temer que eu chamaria de “idiota”, com o perdão da palavra, porque é de um simplismo… de uma estupidez… Você tem uma regra fiscal tosca e você tem que substituir essa regra por uma mais inteligente. E o governo teme mexer na regra e perder credibilidade, mas está verificando que a regra não vai funcionar. Se você não mexer na regra, vai ter uma combinação de economia combalida, desemprego e política fiscal recessiva.

O FMI fez um relatório sobre a economia brasileira dizendo que o Brasil talvez possa crescer algo como 2% ou 1,5% anualmente, com otimismo, nos próximos anos. Com esse tipo de crescimento, a taxa de desemprego que hoje é 12 milhões, cairia para 10 milhões, mas continuaria extremamente alta até 2022. O panorama não é favorável.

O governo não tem um projeto convincente, fica esperando não sei o quê. Veja pela retórica do governo Bolsonaro: “vou zerar o déficit no primeiro ano”. Aí… “não é bem assim” e vai continuar por vários anos. “É preciso a reforma da Previdência, porque aí sim deslancha”, e faz. Mas aí, “não é só isso, tem mais isso”. Não é um discurso convincente. Com esse discurso costurado, não vai recuperar a confiança.

Mas por que a economia então não afunda? Porque o Brasil tem trunfos econômicos importantes. É uma pena que a gente tenha um governo tão precário como esse. Se fosse minimamente organizado… Que trunfos são esses? Uma posição do setor externo muito forte, reservas internacionais muito elevadas, o que nos diferencia da Argentina ou da Turquia. Um regime cambial adequado, flutuante, flexível e sem regras. A inflação está sob controle. É verdade que por conta da recessão, mas está baixa. E o setor externo está equilibrado.

Para mim, é um espanto ouvir o ministro da Economia dizer que o setor público brasileiro está em colapso. Como o ministro pode ser tão irresponsável para minar o setor que ele está supostamente governando? Isso não existe em lugar nenhum. O setor público tem dificuldades, Estados e municípios, muitos deles, mas não está quebrado. (…) Essa história de que o dinheiro acabou é um simplismo, especialmente para os que não entendem. Mas não é um colapso. É claro que, se continuar com esse governo, batendo cabeça e desorganizado, acaba atingindo a economia.

O senhor vê o Brasil avançando pouco a pouco ou estamos regredindo?

Desde a década de 1980, o Brasil não tem conseguido crescer de forma sustentada por períodos longos. Houve alguns períodos curtos, por exemplo no governo Lula. Mas foi uma exceção. No geral, temos apresentado um crescimento baixo, e com o Brasil perdendo expressão em relação a outros países, como a China e outras nações da Ásia. No meu modo de ver, o que explica isso é sobretudo a captura das alavancas decisórias do Estado brasileiro por interesses financeiros de curto prazo, e seus representantes. Me refiro ao ministério da Fazenda, ao Banco Central… Um processo que tem longa história, que marca o governo FHC, marca o início do governo Lula, que não conseguiu de imediato se livrar disso. Quando ele se livra disso, a partir de 2005, ele quebra uma maldição, que é a do segundo mandato ser pior que o primeiro. E aí o Brasil experimenta uma fase áurea. Mas, mesmo nessa fase áurea, o que preocupou? A tendência de o Brasil deixar a estrutura industrial brasileira regredir. Períodos prolongados de valorização cambial, juros muito altos durante muito tempo. Essa combinação foi muito negativa para muitos setores.

O sistema tributário é inadequado, a infraestrutura inadequada, o uso de crédito é inadequado. No governo Lula, houve uma tentativa [de melhorar essa estrutura], mas incompleta. No governo Dilma também. E, como esse projeto Lula-Dilma naufragou na crise 2015, nós agora estamos de volta ao modelo anterior, financista, de curto prazo. Não é um modelo de desenvolvimento. Nós temos que ter um modelo de desenvolvimento nacional.

Esse caminho regressivo do governo Bolsonaro, do governo Temer, é um caminho destrutivo, não é uma construção. É diferente do que vivemos nos anos 1960, depois do golpe militar, por exemplo. Porque naquele momento havia um projeto. Você pode não gostar daquele projeto, mas existia, formulado por pessoas como Roberto Campos, Delfim Netto. Esse pessoal que está aí hoje não tem projeto algum. Tem uma agenda confusa, liberal, misturada com um projeto regressivo do presidente Bolsonaro, que está batendo cabeça para tudo quanto é lado. Acho muito difícil que esse projeto, do jeito que está estruturado, leve a algum resultado positivo pro País.

Sobre o Plano Real, que completou 25 anos em julho, o que o senhor destacaria?

As opiniões sobre o Plano Real são mais uma manifestação do complexo de vira-lata do brasileiro. Mesmo os adversários precisam reconhecer que ali foi feita uma coisa importante pela equipe do [presidente] Fernando Henrique. Eu destacaria a URV (Unidade Real de Valor), um mecanismo inteligente de desindexação, usado de maneira positiva na época. Vinte e cindo anos depois, o Brasil tem uma moeda nacional. Estávamos ali com hiperinflação, altíssima, uma desordem monetária. Faltava uma moeda nacional razoavelmente estável. Mesmo aos trancos e barrancos, isso veio. O maior erro, por outro lado, foi a indexação cambial, que avalio que não era necessária. Embora tenha conversado com Pedro Malan (ministro da Fazenda de FHC) recentemente e ele insiste que era necessária. Mas o fato é que tivemos uma grande valorização cambial, que gerou problemas gravíssimos, como a crise de 1998 e 99, que quase acabou com o Real.

E quanto aos governos do PT, o que houve de avanços e erros?

É difícil uma generalização. Temos várias fases da política econômica nos governos Lula e Dilma. O início é marcado por uma fase ortodoxa, basicamente a continuação do que o Pedro Malan vinha fazendo. Depois houve uma mudança de rumos com a entrada do Mantega (Fazenda) e da Dilma na Casa Civil, com uma mudança do Lula na direção do desenvolvimentismo, que foi bem-sucedida.

Quando o Lula transfere o poder para a Dilma, e isso é algo que todo mundo esquece, a Dilma entra e faz um choque ortodoxo: com ajustes fiscais importantes, elevação das taxas de juros, contenção do crédito, porque ela tinha a avaliação, correta, de que a economia brasileira estava superaquecida. Só que talvez o governo brasileiro tenha pesado demais a mão naquele momento, e as tentativas de reaquecimento da economia não foram bem-sucedidas. Houve várias tentativas entre 2011 e 14, e a economia não voltou a ter aquele ritmo. E aí vem toda a crítica à matriz econômica, que é uma crítica ideológica. Assim como existe a fantasia da “ideologia de gênero”, há a fantasia da “nova matriz econômica”. O que houve ali foi uma tentativa malsucedida de reativar a economia. Talvez os melhores métodos não tenham sido utilizados. Mas o fato é que a crise de 2015, 2016, não pode ser atribuída, senão em menor proporção, aos erros de política econômica do governo Dilma. Houve erros? Houve. Importantes? Sim. Mas nada que justifique uma recessão daquele tamanho.

A recessão foi fruto de choques externos, perda em termos de troca, importante em 2015, mas sobretudo de fatores internos. Além disso, temos a Lava Jato e seus efeitos desestruturantes em várias cadeias produtivas. E a tentativa de dar um golpe na presidente recém-reeleita. Que funciona assim: é difícil, mas vamos fazer uma sabotagem nesse governo, mesmo que tenha custos pra economia. Foi isso que foi feito. Pautas-bomba, cerceamento do governo e a contribuição da própria presidente, que nomeia como ministro da Fazenda o Joaquim Levy, que tenta aplicar um choque ortodoxo na economia combalida. É feito em seguida um ajuste de preços públicos de uma só vez, erradamente, o que força o Banco Central a agir com taxa de juros. Aplica-se uma política fiscal equivocada, que nada tinha com o programa dela. Tudo isso junto derrubou a economia brasileira de um jeito que nunca tínhamos visto. Uma enorme irresponsabilidade daqueles que arquitetaram o golpe. E a economia brasileira ainda não se desfez do trauma dessa irresponsabilidade, com erros da Dilma, do Levy, erros da Lava Jato e o golpe parlamentar. Quem olhar para trás num registro histórico, de uma maneira isenta, não vai deixar de observar isso.

O que poderia contribuir para uma melhoria da economia brasileira?

Não acredito que o atual governo consiga colocar o Brasil em um rumo positivo. Porque esse governo não tem projeto. Só tem projeto de destruição, em várias áreas. O que está acontecendo são medidas de desarticulação dos mecanismos existentes, sem que o governo saiba o que vai colocar no lugar.

Os mecanismos existentes têm defeitos? Têm. É preciso corrigi-los? Sim. Mas não é assim que se faz. Na área da Cultura, da Educação, do Meio Ambiente, da máquina pública… É um processo de destruição declarado, admitido como tal. Dito isso pelo Bolsonaro: “eu vim pra destruir”. Agora pergunta para essa equipe se eles sabem o que vão colocar no lugar? Provavelmente eles não sabem. Então é desastroso.

O Brasil está correndo um grande risco. Nunca houve um governo tão subordinado ao governo americano, que chega a declarar que está apaixonado pelo presidente dos EUA, não tem o mínimo de decoro, faz concessões unilaterais na esperança de ter algo, o que é um absurdo, não é assim que funcionam as coisas. Além disso, o atual governo provoca desnecessariamente toda a ira da comunidade internacional na questão da Amazônia, colocando o Brasil numa condição de pária, que nós nunca tivemos. É erro atrás de erro atrás de erro. Estamos pagando um preço altíssimo por ter levado essa figura à presidência da República. Nós vamos resistir a isso tudo. Mas é preciso muito cuidado, porque já vimos países destroçados pela combinação entre crise interna e pressão externa. Síria, Iraque, Líbia… Não pense o brasileiro que aqui não acontece. Podem acontecer coisas muito piores se a gente não se der conta. É fundamental que o brasileiro saia do seu comodismo e veja o que aconteceu com países que perderam sua soberania.