Portal UOL: “Policiais civis e militares afirmam ser contrários à flexibilização da posse de armas de fogo para cidadãos”

30/01/2019 | Política

Atendendo a promessa de campanha, o presidente Jair Bolsonaro assinou, em seu 15º dia de governo, decreto que flexibiliza a posse de até quatro armas de fogo por pessoa no país. O ato foi comemorado por entusiastas e reprovado por opositores do governo. No entanto, uma parcela da população que já está armada, inclusive nas ruas, se divide quanto à eficiência da medida.

Reportagem do UOL revelou que 80% dos policiais assassinados no Brasil em um ano morreram durante a folga (veja detalhes em infográfico abaixo). Diante deste quadro, agentes civis e militares afirmam que a posse de arma, por um cidadão comum, não será eficiente para a defesa de sua vida, uma vez que policiais, com porte, treinados e preparados, morrem mais na folga, apesar de armados.

Enquanto Elisandro Lotin, sargento da PM de Santa Catarina, por exemplo, afirma que "se arma fosse motivo de segurança, não teríamos tantos policiais mortos", o coronel Frederico Caldas, que já foi coordenador-geral das UPPs(Unidades de Polícia Pacificadora) do Rio de Janeiro, não é contrário à legitimidade do direito à posse, mas afirma que a medida gera riscos e é "temerária".

O governo federal afirma que a assinatura do decreto respeita a vontade popular. "Conforme votação do Estatuto do Desarmamento, em 2005, quando a população brasileira decidiu que o comércio de armas não deveria ser proibido", informou, por nota, a Casa Civil da Presidência. Veja, a seguir, os argumentos de policiais contrários à facilitação da posse de arma de fogo para a população.

Elisandro Lotin, PM em Joinville (SC) há 26 anos.

Enquanto policial de rua, sou radicalmente contra. Eu não tenho dúvidas de que o número de policiais mortos vai aumentar com essa flexibilização. Uma ocorrência de Lei Maria da Penha, por exemplo: tenho a presunção de que dentro daquela casa não haverá arma. A partir da flexibilização, eu não vou saber. Vai aumentar o número de policiais mortos e de mortos por policiais, que vão ter que reagir mais."

Alexandre Rocha, policial civil do DF há 17 anos.

Hoje em dia, no próprio meio policial, há a defesa muito grande do armamento da população, como um todo. Ao meu ver esse discurso é irreal. Devemos desconstruir essa ideia de que a população civil está desarmada. Se ver a quantidade de homicídios no Brasil, grande parte está armada. Seja ilegal ou legal. A população já está armada. O Estatuto do Desarmamento não desarmou, só regulamentou quem pode ter arma. Estamos dando a possibilidade para um cidadão se tornar um criminoso. Procurar meios para impedir o mercado ilegal de armas seria o ideal.

Ewerton Monteiro, PM na Bahia há 16 anos.

Não falo em nome da corporação. Eu sou terminantemente contrário. Vai dificultar o nosso trabalho. O policial chega numa ocorrência de som alto, por exemplo, como vamos saber quem está ou não armado? Fora isso, a arma dá uma dimensão de falso poder. A criminalidade grande está na rua. O decreto dele é para posse. Essa não é a grande criminalidade, dentro de casa.

Orlando Zaccone, delegado no RJ há 19 anos.

É muito mais fácil uma pessoa morrer num assalto portando uma arma do que desarmada. Durante o assalto, a vítima está sendo surpreendida. E o tempo de reação desfavorece ela. Não há dúvida de que o discurso da segurança e do direito de proteção à vida e legítima defesa oculta o real interesse, que é o direito de propriedade: a posse de arma, nas áreas rurais, para que grandes proprietários, que são sustentação politica do governo, possam montar a sua guarda pessoal. Seria justamente a legalização de milicias no campo.

"Legítimo, mas temerário" Frederico Caldas, 54, ex-coordenador das UPPs do Rio

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O coronel Frederico Caldas, 54, coordenou as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) do Rio de Janeiro por 500 dias, entre 2013 e 2014. Ele foi o responsável por pedir desculpas à família do pedreiro Amarildo de Souza, 43, que sumiu após uma abordagem policial na favela da Rocinha, zona sul da capital fluminense, em julho de 2012.

Com 32 anos de carreira dentro da Polícia Militar, Caldas afirma considerar legítimo o intuito de um cidadão sem história criminal ter uma arma em casa, para tentar proteger a si mesmo, a sua família e sua propriedade. No entanto, o coronel analisa que, na atual conjuntura do do país, por conta da característica da criminalidade e pela corrupção, a medida pode trazer riscos à segurança da sociedade.

De acordo com o policial, a aprovação do Estatuto do Desarmamento, em 2003, conseguiu reduzir os homicídios, mas, nos últimos anos, voltou a crescer. Segundo o último anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, já são mais de 60 mil homicídios registrados no país por ano.

"Na nossa realidade, até que ponto toda essa regulamentação, com exame psicológico, preparação técnica, vai ser feito com seriedade? Ou vai cair na vala comum do nosso país, na corrupção? Será que não vão vender como CNH? Até que ponto o país vai ter condições de fazer isso com seriedade? Vão estar efetivamente preparados? Para portar uma arma, e eu sou atirador, você não precisa ter só um preparo técnico e aspectos legais. Tem que se ter preparo psicológico e emocional", diz.

"Vejo a flexibilização da posse de arma com muito mais preocupação. Há muitos pontos vulneráveis, dada a realidade do nosso país. Quando se fala em Estados Unidos (e mesmo lá a gente vê chacinas, por exemplo), de alguma maneira, a violência é concreta e real. No Brasil, há características que colocam o direito legítimo à arma como um aspecto menos relevante", afirma o coronel. "Eu me posiciono enxergando isso de forma temerária, mas respeito muito o direito das pessoas. Não sou contra, , mas entendo como temerária", complementa.

"Excelente fator de ataque, mas não é bom instrumento de defesa"

Yanilda Gonzáles, da Universidade de Chicago

Por causa do alto nível de violência no Brasil, muitas pessoas veem uma solução ao problema do crime e a violência na flexibilização da posse de armas. Essa noção é muito comum, mas acho que a experiência dos Estados Unidos demonstra que a relação entre armas e crime não é tão simples assim. Pesquisadores da Harvard, por exemplo, acharam uma correlação positiva entre a posse de armas e as taxas de homicídio; a mesma coisa acontece com taxas de suicídio, as quais tendem a subir onde tem mais armas.

Ivan Marques, do Instituto Sou da Paz

Os resultados de mortes de policiais são um bom exemplo de que apostar na arma de fogo como política pública para diminuir crime é errado. Arma dentro de casa não vai estar na cintura das pessoas a todo momento e as pessoas não vão estar em alerta o tempo inteiro. A capacidade de reação das pessoas vai continuar sendo baixa. Armas dentro de casa vão representar acidentes domésticos, incluindo com crianças. A arma é um excelente fator de ataque, porque é fulminante, mas não é um bom instrumento de defesa.

A posição do governo Bolsonaro

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O presidente Jair Bolsonaro (PSL) assinou na última terça-feira (15) o decreto que flexibiliza a posse de arma no Brasil --ou seja, para manter o armamento dentro de casa. O texto não inclui o porte de arma, quando o cidadão tem direito de se deslocar armado. A medida foi uma das principais bandeiras de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018. Na prática, as principais mudanças correspondem à renovação do registro da arma, cujo prazo passou de 5 para 10 anos, e a exigência da instalação de um cofre em casas com menores de idade ou com pessoas com deficiência mental. Anteriormente, a lei apontava apenas que a arma só poderia ser usada em casa ou no local de trabalho.

Questionado desde segunda-feira (14) sobre o dado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública que aponta que 80% dos policiais assassinados no Brasil são vitimados durante a folga, além da defesa de policiais civis e militares, de diferentes estados, contra a flexibilização da posse e do porte de armas no país, sob o risco de aumentar o índice de crimes que envolvam armas, o Ministério da Justiça enviou um arquivo informando como funcionava e o que mudou por meio do decreto.

Indagado sobre a pergunta específica, o ministério, sob chefia do ministro Sergio Moro, pediu que a reportagem entrasse em contato com a Casa Civil da Presidência da República. Em nota, a Casa Civil, sob chefia do ministro Onyx Lorenzoni, informou que "a decisão do presidente da República respeita a vontade popular (conforme votação do Estatuto do Desarmamento, em 2005, quando a população brasileira decidiu que o comércio de armas não deveria ser proibido). Vale lembrar que a taxa de homicídios tem crescido no Brasil.