Raquel Faria: “A direita está fracassando no continente. E a esquerda voltando”

20/08/2019 | Política

Os Novos Inconfidentes – 16/08/2019

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A eleição na Argentina está mudando o quadro geopolítico na América Latina. A provável vitória do kirchnerismo coloca a esquerda no poder de duas das três maiores economias do continente  – a outra é o México. E acende o alerta para governos direitistas na região. A onda conservadora perde força, entrou em refluxo.

Ao menos no sul do continente, os países que seguiram o liberalismo estão colhendo resultados frustrantes. O maior reduto da direita latina, Brasil, já dá sinais de recessão e não deve atingir este ano nem os mirrados 0,8% da previsão oficial. O Chile desacelera com força: cresceu só 1,6% neste 1º trimestre depois de avançar 4% em 1918. Também Equador e Paraguai tem projeções na casa de 1%. Para o conjunto da América do Sul, que foi varrida por uma onda conservadora nos últimos cinco anos, a previsão da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e Caribe) é de pibinho: um avanço de meros 0,2%.

A projeção da Cepal coloca a economia da região a um passo da zona negativa. E ela é do mês passado, anterior à onda de pessimismo que tomou conta dos mercados globais nesta semana. Ou seja, essas projeções já ruins para a América do Sul não refletem os impactos do novo cenário de recuo do comércio mundial. Elas terão que ser revisadas nos próximos meses. E certamente para baixo. Ganha força a hipótese de que a região registre um recuo econômico este ano. No 1º trimestre, na contas da Cepal, já houve uma queda no PIB regional de 0,1%.

Dos países sul-americanos que fizeram inflexão à direita, só dois ainda mostram  dinamismo. Um é a Colômbia, que cresceu 2,8% nos primeiros meses de 2019 e pode encerrar o ano com taxa superior a 3%. O outro seria o Peru, com crescimento estimado em 3,2% no ano, mas a adesão do governo peruano ao liberalismo está em xeque após a substituição do presidente PPK, que renunciou, pelo vice Martín Vizcarra, de perfil político mais próximo ao centro.

Por outro lado, o campeão do crescimento econômico na região é uma das trincheiras da esquerda latina: a Bolívia de Evo Morales, que deve liderar de novo a expansão econômica na região sul com 4%. Os bolivianos são os que mais se desenvolvem e há mais tempo na América do Sul. Mas, não dá para colocar o crédito na ideologia já que o campeão do outro lado, o líder em decadência econômica, continua sendo a esquerdista Venezuela.

Em principio, pelos dados da Cepal, ideologia não garante a prosperidade nem contrata a crise; há países crescendo e decrescendo tanto à esquerda como à direita. Ocorre que a polarização política, fortíssima na maior parte do continente, não favorece no momento a direita. A onda conservadora a partir de 2013, com eleição de vários presidentes de viés liberal, fracassou na promessa de impulsionar a economia, apesar do estímulo da bonança global nos últimos três anos.  Agora, esses governos de direita vão administrar um contexto agravado por novas turbulências internacionais – aliás, de alcance e consequências ainda imponderáveis.

Como mostra o exemplo da Argentina, as ideologias não resistem às crises econômicas. O eleitorado lá parece disposto a mandar embora o direitista Maurício Macri para trazer a velha esquerda de volta ao poder. Não que  os esquerdistas estejam oferecendo alternativas consistentes para saída do poço em que o país mergulhou. Mas, faz parte da lógica do eleitor tentar o outro lado quando um governo fracassa. A alternância ideológica tem sido marcante na politica latina. E o pêndulo agora tende a se mover no sentido oposto. Ou seja, a eleição argentina parece indicar o início de um processo maior de retorno da esquerda no nosso continente.