Reforma da Previdência, com exigências inaceitáveis, destrói a aposentadoria dos trabalhadores rurais

15/03/2017 | Direitos do povo

A deputada Marília Campos (PT/MG) protesta contra as mudanças na aposentadoria rural: “As mudanças propostas por Temer na reforma da previdência praticamente extinguem a aposentadoria dos trabalhadores rurais. Isto porque: a) a idade da aposentadoria rural, atualmente de 60 anos para os homens, e de 55 anos para as mulheres, será unificada na regra permanente em 65 anos para ambos os sexos; b) passará a ser exigida contribuição individual de por 25 anos para a previdência em substituição à contribuição por 15 anos sobre a comercialização da produção; c) mesmo na regra de transição para os atuais rurais – segurados especiais, o pedágio de 50% será não de atividade rural mas de contribuição individual; os(as) pensionistas terão seus direitos restringidos duramente, como a redução da pensão para 60% do salário mínimo, um benefício miserável de R$ 562,00 e acaba a possibilidade de acúmulo de aposentadoria e pensão mesmo para quem acumula os dois benefícios de 1 salário mínimo cada. A aposentadoria rural precisa ser preservada, porque são os trabalhadores rurais, especialmente os da agricultura familiar, que produzem grande parte dos alimentos no Brasil e são os benefícios previdenciários os responsáveis pelo dinamismo da economia municipal, sobretudo dos pequenos municípios”.

Trabalhadores rurais e os dispositivos constitucionais e infraconstitucionais. Para se entender a reforma da Previdência é preciso compreender melhor os dispositivos legais atuais que regem a aposentadoria dos trabalhadores rurais. Prevê a Constituição Federal em seu artigo 201, parágrafo sétimo: “É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições: I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher; II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal”. E no artigo 195, que trata do financiamento da seguridade social, parágrafo 8º, está previsto: “O produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais e o pescador artesanal, bem como os respectivos cônjuges, que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão para a seguridade social mediante a aplicação de uma alíquota sobre o resultado da comercialização da produção e farão jus aos benefícios nos termos da lei”.

Duas observações: a) o empregado, o segurado individual (autônomo, cooperativado) e o trabalhador  avulso tem as mesmas regras dos trabalhadores urbanos, à exceção da aposentadoria por idade, que é cinco anos mais cedo: aos 60 anos para os homens e aos 55 anos para as mulheres; b) os chamados segurados especiais – pequenos proprietários -, além da aposentadoria por idade aos 60 anos, se homens e aos 55 anos, se mulheres, não tem contribuição individual para a previdência mas sobre a comercialização da produção e tem, definido em lei, um plano de benefícios específico de 1 salário mínimo.

O Plano de Benefícios dos segurados especiais.  Para os segurados especiais, fica garantida a concessão: a) de aposentadoria por idade ou por invalidez, de auxílio-doença e de auxílio-reclusão e da pensão por morte aos dependentes, no valor de um salário mínimo, desde que comprovem o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, igual ao número de meses correspondentes à carência do benefício requerido; b) para a segurada especial é garantida a concessão do salário-maternidade no valor de um salário mínimo, desde que comprove o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos dez meses imediatamente anteriores ao do início do benefício.

Trabalhadores com até 50 anos de idade, se homens, e até 45 anos de idade, se mulheres, terão aposentadoria aos 65 anos de idade e 25 anos de contribuição. Prevê a reforma da Previdência: “É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social (INSS) àqueles que tiverem completado sessenta e cinco anos de idade e vinte e cinco anos de contribuição, para ambos os sexos”, o que inclui todos os trabalhadores inclusive os trabalhadores rurais. Cinco anos após a promulgação da reforma da previdência (em 2022), entrará em vigor um “gatilho” que elevará ainda mais a idade mínima de 65 anos dos trabalhadores. Prevê a PEC 287/2016: “Sempre que verificado o incremento mínimo de um ano inteiro na média nacional única correspondente à expectativa de sobrevida da população brasileira aos sessenta e cinco anos, para ambos os sexos, em comparação à média apurada no ano de promulgação desta Emenda, será majorada em números inteiros”. Observação: atualmente, o brasileiro ganha, aos 65 anos de idade, um ano na expectativa de sobrevida ao longo de sete anos, o que aumentará a idade mínima para aposentadoria para 66 anos aproximadamente em 2030.

Aumento abrupto na idade de aposentadoria. Os trabalhadores rurais com até 50 anos de idade, se homens, e até 45 anos de idade, se mulheres, serão prejudicados de forma dramática se a reforma da previdência for aprovada. Senão vejamos: a idade, por exemplo, será aumentada em 10 anos, no caso da trabalhadora rural, e em cinco anos, no caso do trabalhador rural, tanto no caso dos segurados especiais quanto dos empregados rurais.

Acaba a contribuição sobre a produção e será fixada contribuição individual no campo. Pela reforma da Previdência acaba a contribuição sobre a produção dos segurados especiais e haverá contribuição individual para a previdência: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o extrativista, o pescador artesanal e seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, contribuirão de forma individual para a seguridade social com alíquota favorecida, incidente sobre o limite mínimo do salário de contribuição para o regime geral de previdência social, nos termos e prazos definidos em lei.  A quase totalidade dos segurados especiais não tem condições financeiras de contribuição individual ainda que favorecida de 5% do salário mínimo (R$ 46,85). Não é verdade que os rurais não pagam previdência. Cerca de 2/3 da contribuição para a previdência é feita pelas empresas, é repassada aos preços, e paga por toda a população.

Contribuição de 25 anos sem regra de transição para trabalhadores rurais com até 45 anos, se mulheres, e até 50 anos de idade, se homens. Como não tem regra de transição para o tempo de contribuição, significa que todo o tempo de atividade rural será desconsiderado e a aposentadoria será concedida somente depois que os trabalhadores rurais acumularem 25 anos de contribuição, o que vai inviabilizar amplamente a aposentadoria em particular dos segurados especiais. Para os trabalhadores e trabalhadoras com idades que citamos anteriormente, a adoção da contribuição de 25 anos pesará até mais que a idade para se ter direito à aposentadoria rural.

Regra de transição para trabalhadores rurais – segurados especiais - com 45 anos ou mais de idade, se mulheres, e de 50 anos ou mais de idade, se homens, será também muito restritiva. A reforma da Previdência prevê: “Os trabalhadores rurais e seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos que, na data de promulgação desta Emenda, exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes, como o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o extrativista, o pescador artesanal poderão se aposentar se na data da promulgação da Emenda contarem com idade igual ou superior a cinquenta anos, se homem, e quarenta e cinco anos, se mulher, quando atenderem cumulativamente as seguintes condições: I - sessenta anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade, se mulher, e cento e oitenta meses de tempo de atividade rural; e II - um período adicional de efetiva contribuição, equivalente a 50% (cinquenta por cento) do tempo que, na data da promulgação desta Emenda, faltaria para atingir o tempo de atividade rural exigido”. A regra de transição, como vimos, será muito restritiva, já que o pedágio deverá ser cumprido com tempo de “efetiva contribuição”.

Regra de transição para trabalhador rural – empregado, contribuinte individual e trabalhador avulso com idade igual ou superior a 50 anos, se homens e 45 anos, se mulheres. O segurado rural – empregado, contribuinte individual e trabalhador avulso - filiado ao regime geral de previdência social - INSS até a data de promulgação desta Emenda e com idade igual ou superior a cinquenta anos, se homem, e quarenta e cinco anos, se mulher, poderá aposentar-se quando preencher as seguintes condições, ressalvado o direito de opção à aposentadoria pelas normas estabelecidas pelo art. 201, § 7º, da Constituição: I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher, acrescidos de um período adicional de contribuição equivalente a 50% (cinquenta por cento) do tempo que, na data de promulgação desta Emenda, faltaria para atingir o respectivo tempo de contribuição; ou II – sessenta  anos de idade, se homem, e cinquenta e cinco anos de idade, se mulher, e cento e oitenta meses de contribuição, acrescidos de período adicional de contribuição equivalente a 50% (cinquenta por cento) do tempo que, na data de promulgação desta Emenda, faltaria para atingir o número de meses de contribuição exigido.

Pensão. Mudanças propostas são muito prejudiciais aos trabalhadores rurais. As mudanças propostas na reforma da Previdência na pensão por morte são extremamente prejudiciais aos trabalhadores rurais, especialmente duas delas: a) a pensão será desvinculada do salário mínimo e seu piso será de 60% (50% do salário mais 10% por dependente), o que implica que este percentual aplicado sobre um salário mínimo de R$ 937,00 resultará em um benefício miserável de apenas R$ 562,00; b) será proibido o acúmulo de pensão e aposentadoria, o que fará com que os pensionistas, sobretudo mulheres rurais, tenham que optar entre uma pensão e uma aposentadoria de 1 salário mínimo. Como  no campo, a aposentadoria, quase em sua totalidade é de 1 salário mínimo, significa que as duas medidas anteriores – piso inferior ao salário mínimo e proibição de acúmulos – resulta numa situação de terra arrasada para os pensionistas rurais.

Bons argumentos em defesa da aposentadoria e da pensão rurais

Capacidade contributiva dos trabalhadores rurais é muito baixa. “Para comprovar a condição de empregado rural, bem como de segurado especial, fatos distintos deverão ser comprovados”. (...) “O empregado rural deverá comprovar que exerceu atividade de forma subordinada e habitual (e não eventual), percebendo salários do empregador rural que explora atividade econômica. Para ter acesso aos benefícios previdenciários como trabalhador(a) rural, deverá comprovar o vínculo empregatício, que, uma vez reconhecido, ensejará a anotação na Carteira do Trabalho e exigirá, do empregador, a retenção e o recolhimento das contribuições sociais devidas. Com isso, verifica-se que o empregado rural foi tratado pela legislação previdenciária, bem como pela própria Constituição, de forma idêntica ao empregado urbano, salvo em relação à idade de aposentadoria cujo redutor da idade em cinco anos é mais que justificável para essa categoria de segurado”.(...) “Em relação ao segurado especial, deverá comprovar que é agricultor(a) e que exerce atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, sem o auxílio de empregados, e que depende desse trabalho para sobreviver”.(...) “De modo coerente, o legislador percebeu que o modelo de previdência social adotado no Brasil para o setor urbano, cujos trabalhadores de um modo geral têm empregos assalariados formais e rendimentos regulares, não pode ser aplicado ao setor rural, no qual os trabalhadores e trabalhadoras não contam com rendimentos regulares (muitos vivem da produção para o autoconsumo, não auferindo nenhuma renda financeira), nem se classificam de modo geral como assalariados(as). Além disso, dentro da dinâmica de desenvolvimento econômico do País, nas últimas décadas, o setor rural é subordinado ao urbano, cabendo-lhe financiar investimentos, com transferência de recursos e matéria-prima do setor agrário ao industrial, o que faz com que deixe uma vasta extensão de agricultores familiares excluídos (Schwarzer, 2000)”. (...) “Resulta disso que a capacidade contributiva do setor rural para a previdência social é muito baixa, tornando praticamente impossível o equilíbrio entre contribuições e benefícios. Ainda segundo Schwarzer (2000), pelo que se percebe na experiência internacional, há necessidade das estruturas proverem financiamento alternativo ou complementar à contribuição baseada na renda, de modo a criar uma cobertura universal”. (Previdência Social Rural: potencialidades e desafios, Contag, 2016).

Em defesa de uma idade mínima reduzida no campo.  “A fixação de uma idade mínima uniforme de 65 anos para o acesso à aposentadoria é um verdadeiro atentado aos direitos dos trabalhadores(as) rurais, contingente que começa a trabalhar muito cedo no campo e sob condições de vulnerabilidade física. Com efeito, para um trabalhador rural e uma trabalhadora rural que começaram a trabalhar, em média, aos 12 anos, a tendência é a de terem que trabalhar, respectivamente, 48 e 43 anos contínuos para ter acesso à aposentadoria. Nas observações de Galiza e Valadares (2016), a forma de como a Constituição Federal vinculou os trabalhadores e trabalhadoras rurais ao Regime Geral de Previdência Social exprime o reconhecimento de que, de fato, eles começam a trabalhar mais jovens, em ocupações presumivelmente desgastantes, às quais eles permanecem ligados ao longo da maior parte de sua vida ativa e que se tornam cada vez mais penosas com o avançar da idade” (Contag, 2016).

Agricultura familiar é responsável pela produção de grande parte dos alimentos. “A agricultura familiar brasileira responde por grande parte da produção de alimentos para o consumo interno. Para Dulci (2016), a tese da agricultura familiar como maior abastecedora do mercado interno se confirma. Ela fornece, por exemplo, 87% da produção da mandioca, 70% do feijão, 58% do leite, 59% da carne suína. Se é verdade que a produção da agricultura empresarial ou agronegócio chama a atenção por recordes de safra e exportação anuais, é também verdade que ela não abastece nosso mercado interno. A produção de alimentos que garante nossa segurança alimentar e nutricional e, por que não, nossa soberania alimentar, diante de eventual escassez externa e alta de preços, vem, majoritariamente, das pequenas propriedades rurais”.(...) “Por essa e outras questões, como a garantia de alimentos tradicionais da mesa dos(as) brasileiros(as), proteção da biodiversidade e uso sustentável dos recursos naturais, é urgente a preservação da agricultura familiar. Além disso, representa uma oportunidade para impulsionar as economias locais, especialmente quando combinada com políticas específicas destinadas a promover a proteção social e o bem-estar das comunidades, como é o caso da Previdência Rural” (Contag, 2016).

Previdência Social e desenvolvimento local. “Na ausência de políticas explícitas de desenvolvimento territorial-local, os benefícios previdenciários rurais transferidos diretamente a indivíduos residentes em municípios de renda per capita inferior à média nacional, têm cumprido papel extremamente relevante na sustentação dos níveis de renda e de consumo das famílias rurais e estimulado o desenvolvimento socioeconômico em milhares de municípios brasileiros”.(...) “Pelos estudos divulgados, percebe-se que os benefícios previdenciários pagos aos trabalhadores e trabalhadoras rurais estão distribuídos em praticamente todos os 5.564 municípios brasileiros. No entanto, mais de dois terços do valor total dos benefícios rurais foram destinados a municípios de até 50 mil habitantes, o que significou uma injeção de R$ 5,6 bilhões na economia desses pequenos municípios em janeiro de 2016. Isso demonstra o papel e a importância da Previdência Social Rural na distribuição de renda, não apenas entre as pessoas, mas também entre os municípios brasileiros (Galiza e Valadares, 2016)”.(...) “Para se ter uma ideia dessa dimensão, França (2011) mostra que, em 3.875 municípios, 69,6% do total de 5.566 existentes no Brasil, em 2010, o valor transferido monetariamente em nome da Previdência Social (benefícios emitidos pela previdência – maioria no valor de 1 SM, cerca de 70%) foi maior que o valor transferido em nome do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), demonstrando o poder da Previdência Social, e do preceito constitucional que vincula seus benefícios ao SM, em transferir renda para regiões mais pobres”.