Reforma da Previdência destrói os direitos previdenciários dos mais pobres

14/03/2017 | Direitos do povo

A deputada Marília Campos (PT/MG) discorda radicalmente da avaliação do presidente Temer que afirmou que somente “quem ganha mais” está contra a reforma da previdência: “Temer está fazendo pouco caso da inteligência dos brasileiros mais pobres. A reforma da Previdência destrói os direitos dos trabalhadores mais pobres: a aposentadoria por idade urbana e rural, as pensões por morte e o Benefício de Prestação Continuada – BPC da Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS. Veja no caso da aposentadoria por idade: a proposta é de 65 anos para todos, o que implica em mais 10 anos de idade para a mulher rural, mais cinco anos de idade para a mulher urbana e o homem rural; o tempo de contribuição para a aposentadoria por idade passa de 15 para 25 anos, o que é praticamente inatingível para os mais pobres; a reforma no campo é ainda mais drástica porque introduz uma contribuição individual para os trabalhadores rurais também de 25 anos; no caso das pensões, reduz o seu valor de 1 salário mínimo para R$ 562,00 (60% do salário mínimo); e proíbe a acumulação de pensão e aposentadoria de quem recebe 1 salário mínimo de cada um dos dois benefícios; e, para terminar a obra anti-povo, a reforma da Previdência propõe mudanças dramáticas no BPC da LOAS, com o aumento da idade de 65 anos para 70 anos, com sua redução de 1 salário mínimo para meio salário mínimo, e exclui do direito ao benefício o segundo idoso da família. Como assim não é uma reforma contra os pobres? Por isso, acredito que nós, da esquerda, temos que dialogar com os mais pobres incorporando em nossa agenda política os seus direitos previdenciários”.

Dizem que a reforma da previdência afetará mais “os trabalhadores mais ricos”; a verdade é que os direitos previdenciários dos pobres serão destruídos. O jornal O Globo, de 07/12/2016, abriu manchete: “Trabalhadores mais ricos serão os mais afetados por reforma da previdência”. Michel Temer foi na mesma linha e declarou que somente “quem ganha mais” está contra a reforma da Previdência. Não é bem assim. De fato, a PEC 287/2016 dificulta e rebaixa o direito de aposentadoria da classe média, sobretudo com o acréscimo abrupto na idade mínima e na piora significativa no cálculo da aposentadoria. Mas a verdade é que os pobres terão os seus direitos previdenciários destruídos e o discurso de que a reforma previdenciária não os atinge é para tentar manter na passividade este contingente majoritário da população. Um estudo feito por Milko Matijascic, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), e Stephen J. Kay, integrante do Federal Reserve de Atlanta (EUA), afirma que a direita brasileira pensa sobre nossa previdência, mas não tem coragem de assumir publicamente: nosso principal “problema” é a quase universalização da previdência brasileira. “Para os autores do estudo, um dos desafios do sistema de aposentadoria no Brasil decorre da combinação de seguro social com assistência social, onde a cobertura é quase universal para idosos, o que torna impossível um equilíbrio entre contribuições e benefícios”. (Valor Econômico, 10/10/2016). Em outras palavras, o diagnóstico do ultraliberalismo brasileiro é claro: é preciso colocar os idosos pobres para fora da previdência e/ou garantir-lhes um benefício previdenciário simbólico.

Esquerda precisa dialogar com as periferias das grandes cidades e com trabalhadores do campo. Se a esquerda brasileira não compreender que a reforma da previdência prejudicará duramente os  mais os pobres, especialmente os ganham salário mínimo, não vai conseguir reconectar-se com as periferias das cidades e com as regiões mais pobres do País. A esquerda para travar uma luta de resistência ampla à reforma da previdência precisa fazer uma aliança dos assalariados formais urbanos de classe média com a população mais pobre das periferias das cidades e do campo brasileiro. Ao contrário do que muitos pensam a forma de aposentadoria mais universal no Brasil não é por tempo de contribuição, é por idade. Temos no Brasil 5,6 milhões de aposentadorias por tempo de contribuição; 9,981 milhões por idade, sendo 3,691 na cidade e 6,288 milhões no campo; além disso temos mais 1,976 milhão de benefícios assistenciais de idosos concedidos também por idade a partir dos 65 anos. Portanto, a fixação da idade mínima de 65 anos repercutirá duramente na classe média e impactará em segmentos da população mais pobre, em particular na mulher rural e no homem rural e na mulher urbana. Mas um diálogo com as periferias das cidades e com a população rural passa por outros importantes aspectos da reforma da previdência: a) tempo de contribuição: o aumento da contribuição de 15 para 25 anos da aposentadoria por idade, que é uma contribuição praticamente inviável para os trabalhadores mais pobres (dados do DIEESE indicam que apenas 49% dos segurados conseguem fazer 12 contribuições mensais ao longo do ano); b) a fixação de contribuição individual para os trabalhadores rurais também de 25 anos; b) pensões: a redução do valor das pensões para meio salário mínimo, a proibição e acúmulo de aposentadoria e pensão, mesmo de quem recebe benefícios de 1 salário mínimo; c) o fim dos aumentos reais do salário mínimo para trabalhadores da ativa e aposentados e pensionistas; d) as modificações para pior no BPC, com a subida da idade para 70 anos, com a exclusão do segundo idoso da família, e com sua redução na lei complementar para meio salário mínimo; e) além de outros aspectos do Plano Temer, como o fim do abono salarial que será proposto; e o congelamento em termos reais dos gastos em saúde e educação.

Fim da aposentadoria por idade com 15 anos de contribuição (urbana) e 15 anos de atividade rural (segurados especiais) vai excluir milhões de pobres. Atualmente, a aposentadoria por idade é concedida aos trabalhadores urbanos aos 65 anos de idade, se homem, e aos 60 anos de idade, se mulher, com exigência de 15 anos de contribuição; já a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais – segurados especiais será concedida cinco anos mais cedo: aos 60 anos de idade, se homem, e aos 55 anos de idade, se mulher, com comprovação do efetivo exercício de atividade rural por 15 anos. Segundo a PEC 287/2016, a aposentadoria por idade tal como a conhecemos acaba e será substituída pela aposentadoria aos 65 anos de idade, para homens e mulheres, e exigência de 25 anos de contribuição. Isso é muito excludente: aumenta a idade da mulher urbana e passa de 15 para 25 anos de contribuição; para os rurais as novas regras serão ainda mais drásticas: aumenta as idades das mulheres e dos homens; introduz a contribuição individual por 25 anos. Com isso milhões de trabalhadores mais pobres, na cidade e no campo, serão excluídos da previdência. Os números comprovam isso: no Brasil a aposentadoria mais universal é por idade (9,981 milhões) e a aposentadoria por tempo de contribuição tem menor abrangência (5,6 milhões).

Restrições até mesmo para os mais pobres entre os pobres. Atualmente a Emenda constitucional 47 prevê: “Lei disporá sobre sistema especial de inclusão previdenciária para atender a trabalhadores de baixa renda e àqueles sem renda própria que se dediquem exclusivamente ao trabalho doméstico no âmbito de sua residência, desde que pertencentes a famílias de baixa renda, garantindo-lhes acesso a benefícios de valor igual a um salário-mínimo”. (...) “O sistema especial de inclusão previdenciária terá alíquotas e carências inferiores às vigentes para os demais segurados do regime geral de previdência social”. A PEC 287/2016, ciosa na exclusão social, previu restrições drásticas até para os mais pobres entre os pobres: retirou a possibilidade de redução das carências. Ou seja, no Brasil de Temer pobres e muito pobres terão que pagar a previdência por 25 anos, e, caso não consigam, terão que pedir o BPC aos 70 anos, que deverá ser reduzido na lei para meio salário mínimo.

Pensão. Mudanças propostas são muito prejudiciais aos trabalhadores  mais pobres. As mudanças propostas na reforma da Previdência na pensão por morte são extremamente prejudiciais aos trabalhadores mais pobres, especialmente duas delas: a) a pensão será desvinculada do salário mínimo e seu piso será de 60% (50% do salário mais 10% por dependente), o que implica que este percentual aplicado sobre um salário mínimo de R$ 937,00 resultará em um benefício miserável de apenas R$ 562,00; b) será proibido o acúmulo de pensão e aposentadoria, o que fará com que os pensionistas tenham que optar entre uma pensão e uma aposentadoria de 1 salário mínimo. Como no Brasil 70% dos aposentados do INSS e milhões de trabalhadores da ativa recebem 1 salário mínimo significa que as duas medidas anteriores – piso inferior ao salário mínimo e proibição de acúmulos – resulte numa situação de terra arrasada para os pensionistas mais pobres.

Reforma da Previdência desmonta Benefício de Prestação Continuada – PBC. A PEC 287/2016 desmonta a política de assistência social em relação aos idosos pobres e sem acesso a previdência. Senão vejamos: a) a idade subirá de 65 anos para 70 anos de forma progressiva, será acrescida de um ano a cada dois anos; b) a partir de 2026, o BPC terá novos aumentos da idade, de acordo com a sobrevida dos beneficiários; c) sai do texto constitucional o BPC de 1 salário mínimo e a lei fixará o seu valor, mas autoridades do governo já dizem que a proposta para os novos beneficiários será de meio salário mínimo e sem garantia de reajuste nem pela inflação; d) a ideia do governo é excluir o segundo idoso do direito ao benefício. A reforma da previdência remete para a lei um amplo leque de regulamentação do BPC: I - o valor e os requisitos de concessão e manutenção; II - a definição do grupo familiar; e III - o grau de deficiência para fins de definição do acesso ao benefício e do seu valor; IV - para definição da renda mensal familiar integral per capita será considerada a renda integral de cada membro do grupo familiar.

Para não repassar o aumento real do mínimo para a aposentadoria, Temer deverá abandonar o aumento real pelo PIB para os trabalhadores em atividade. O governo Temer quer desvincular os benefícios de pensão e BPC do salário mínimo, mas não propôs esta desvinculação em relação à aposentadoria, por considerar inconstitucional tal medida. Para não repassar os ganhos reais do mínimo para a aposentadoria, o governo está propondo simplesmente suspender o aumento real também para os trabalhadores em atividade.  “A PEC 241/55 também inclui um mecanismo que pode levar ao congelamento do valor do salário mínimo, que seria reajustado apenas segundo a inflação. O texto prevê que, se o Estado não cumprir o teto de gastos da PEC, fica vetado a dar aumento acima da inflação com impacto nas despesas obrigatórias. Como o salário mínimo está vinculado atualmente a benefícios da Previdência, o aumento real ficaria proibido. A regra em vigor possibilitou aumento real (acima da inflação), um fator que ajudou a reduzir o nível de desigualdade dos últimos anos” (ELPAÍS Brasil, 24/10/2016).