Roberto DaMatta: “Brasileiro acha que seguir as normas é coisa para otário”

31/07/2020 | Cultura política

Sociólogo e antropólogo Roberto DaMatta diz que sensação é de que as pessoas perderam o medo de pegar covid-19

Publicado no jornal Estado de São Paulo, no dia 30 de julho de 2020 - Por José Maria Tomazela*

Nesta semana, o Brasil passou de 90 mil mortes pelo novo coronavírus, com 2,5 milhões de casos confirmados e a pandemia em avanço para o interior do País. O antropólogo Roberto da Matta, professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e colunista do Estadão, vê relação da indiferença ao número de mortes por covid-19 no Brasil com a desobediência da população às regras de isolamento social. Para DaMatta, isso também resulta das falhas na educação do povo brasileiro. Veja a entrevista.

1. Mil mortes por dia e as pessoas despreocupadas, indo a festas e praias. Somos indiferentes à nossa tragédia? 

Todos nós seres humanos precisamos dos próximos. Somos uma sociedade relacional, em que as relações são mais importantes que os indivíduos, uma sociedade em que chegar perto e tocar os outros é sinal de afeto. Então fica difícil manter o isolamento e aceitar que mortes acontecem devido a isso.

2. As pessoas perderam o medo de pegar a doença? 

Se você não vê o que potencialmente pode te afetar, fica mais difícil de aceitar e seguir as regras de proteção. Tem também aquela ideia brasileira de que com você não vai acontecer. Seguir normas gerais é coisa para otário, para quem é inferior. Quem é superior acha que não pega. A condição religiosa também é muito forte, tem gente que acha que usar um amuleto, benzer, não pega. No caso do Brasil, existe um alto nível de contaminação, mas também de recuperação. O dado faz parte do conjunto que leva a essa reação.

3. O coronavírus não é uma ameaça igual a todos?

O problema das grandes cidades brasileiras é imenso. As maiores vítimas são os empregados domésticos, os que têm empregos marginais. O óbvio é que os vulneráveis fiquem mais expostos, mas o que espanta é que não só eles estão sendo afetados, mas as classes média e alta também. Prova é que o maior desafiador do vírus, o presidente da República, com sua rebeldia burra, ficou doente. O princípio do velho Freud: é aquilo que você não espera que aconteça com você, mas pode acontecer com todo mundo.

*José Maria Tomazela é repórter do jornal Estado de São Paulo