Tatiana Lagôa e Rafael Mansur, em O Tempo: “Em Minas, 5,6 milhões de pessoas convivem com o risco”

30/01/2019 | Minas Gerais

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Equipes usam helicópteros no trabalho de resgate

O Tempo – 28/01/2019

O rompimento da barragem I da mina de Córrego do Feijão, em Brumadinho, na região metropolitana, avaliada como estável em auditoria recente, evidenciou o risco presente nas outras 435 estruturas para depositar rejeitos da mineração presentes em Minas Gerais. Mais de 5,6 milhões de mineiros vivem nas 70 cidades que também têm essa verdadeira “pilha de lama” sobre suas cabeças. A história recente e a análise de especialistas da área comprovam que nenhum deles está completamente seguro.

“Não existe barragem totalmente segura no Estado”, garante o superintendente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente em Minas (Ibama), Júlio César Grilo. Segundo ele, vários fatores podem influenciar as condições das barragens, como chuvas, volume de rejeitos e abalos sísmicos. Por isso, 27% da população do Estado, que vive em municípios com esse tipo de estrutura, precisa conviver com o risco.

O quadro é um pouco mais grave para 68% das cidades com barragens, ou seja, 48 municípios mineiros. Neles, estão as 162 estruturas com alto potencial de dano ambiental. Elas são consideradas de classe 3 pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) devido a parâmetros como tamanho, volume e ocupação humana nas proximidades. Os dois últimos desastres no Estado, em Brumadinho e em Mariana, na região Central, em 2015, foram em estruturas com essa classificação.

“A segurança depende do investimento e do acompanhamento das condições da barragem. O problema é que muitas empresas têm trabalhado próximo do limite de risco aceitável. E a segurança está cada vez menor”, afirma o geólogo e professor titular da Universidade Federal de Viçosa (UFV) Eduardo Antônio Gomes.

A certeza de que tudo pode mudar de um ano para o outro tem tirado o sono de moradores em várias partes do Estado, que tem no nome e nas bases econômicas referências à mineração. “A forma como as barragens são construídas e a lógica por trás das empresas que priorizam o lucro, e não a vida, colocam boa parte da população no entorno dessas barragens em risco”, salienta o membro da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Pablo Dias.

Segundo ele, o cenário mais assustador é o encontrado em Congonhas, na região Central. A cidade tem 19 barragens, com capacidade para armazenar 18,7 milhões de metros cúbicos de rejeitos. Só as dez barragens do complexo Casa de Pedra, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), já foram responsáveis por muita tensão entre os moradores. “Em 2013, tinha uma situação grave, com várias não conformidades. Mas as modificações foram feitas a pedido do Ministério Público. Em 2017, também foram necessárias medidas que, se não fossem tomadas, o risco ia crescer”, pontua o promotor de Meio Ambiente da Comarca de Congonhas, Vinícius Alcântara.

Ele não garante, no entanto, que a estrutura é segura: “No momento, foi comprovado que estava estável, mas a garantia de estabilidade tem que ser anualmente renovada”.

Congonhas

O resultado de uma nova auditoria na barragem Casa de Pedra, em Congonhas, na região Central do Estado, solicitada pelo Ministério Público, deverá ser divulgado em breve, segundo o promotor de Meio Ambiente da Comarca de Congonhas, Vinícius Alcântara.

Procurada neste domingo (27) para falar sobre as condições da estrutura, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) não se pronunciou.

Vida fora do eixo

Além dos impactos que podem ser contabilizados, como os óbitos, comunidades que enfrentam o rompimento de barragens precisam lidar com danos invisíveis, que tiram a vida para sempre da normalidade. “É um processo de rompimento de laços sociais e de desestruturação das famílias, seja pelas mortes, seja pelas brigas que as empresas geram nas comunidades no processo de reparação. Tudo é traumático”, aponta o integrante da coordenação nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens, Pablo Dias. Há ainda problemas financeiros, uma vez que a fonte de renda de grande parte das famílias atingidas é, justamente, a mineração. Antigo morador de Bento Rodrigues, distrito devastado pela lama em Mariana, na região Central, em 2015, José do Nascimento de Jesus, 73, conta que a vida das pessoas nunca mais voltou ao normal. “O Brasil tem que tomar atitude e não deixar mineradora fazer barragem de qualquer jeito perto das comunidades. É doído”, lamenta.

Fiscalização

No Estado

O governo tem sete pessoas que atuam na fiscalização das barragens. Além delas, outros cem técnicos ligados à Feam fazem essa avaliação. São realizadas 300 fiscalizações ao ano em Minas Gerais.

Outro lado

As mineradoras arcam com a contratação de empresas que fazem auditorias nas barragens. Esse trabalho deve ser realizado no intervalo mínimo de um ano e no máximo de três anos, dependendo do risco do empreendimento.

Minientrevista

Renato Brandão - Diretor de gestão de resíduos da Feam

Representantes do Ibama e especialistas afirmam que todas as barragens mineiras são inseguras. O senhor concorda? O prédio em que você mora é seguro?

Qualquer barragem é uma obra de engenharia que depende de uma análise constante. O prédio é seguro hoje, mas, se aparecer uma trinca, e ela não for tratada, não vai ser mais. Trabalhamos com uma estrutura que está exposta a vários eventos naturais. Em um dia, pode estar segura; no outro, não. Mas, se acompanham as normas técnicas, podemos afirmar que é segura. Falar que não tem barragem segura no Estado é o mesmo que dizer que não existem prédios seguros. Quando as normas de engenharia são negligenciadas, há risco de ter acidente.

Então, podemos dizer que houve negligência em Brumadinho?

Ainda não temos a perícia dessa estrutura. Por isso, não é possível afirmar o que causou, já que estamos ainda no período de assistência às vítimas. Até o acesso ao local para realizar essa avaliação está dificultado.

Mas em quais situações uma barragem considerada segura se rompe? Há risco de isso ocorrer de repente?

Normalmente, a barragem dá sinais claros de que pode ter comprometimento. Historicamente é isso o que acontece. Em todos os casos, algum desses comprometimentos não foram observados. E a empresa é responsável pela garantia das boas condições da estrutura.