Veja como a reforma da previdência impacta na vida das mulheres

25/04/2019 | Direitos do povo

A deputada Marília Campos convoca as mulheres para liderarem a rebeldia contra a reforma da previdência: “Os números que estamos divulgando comprovam a importância da previdência para as mulheres: dos 34,498 milhões de benefícios no INSS, 19,454 milhões (56% do total) são recebidos pelas mulheres e 14,664 milhões pelos homens (44% do total). Não temos os dados do setor público, mas tudo indica que são também as mulheres as principais beneficiárias da previdência. Do ponto de vista dos valores globais, a Previdência Social pagou, em 2017, R$ 531 bilhões em benefícios, sendo R$ 274,463 bilhões pagos às mulheres e R$ 252,341 bilhões pagos aos homens e R$ 4,337 bilhões são ignorados. Podemos dizer, sem sombra de dúvida, que a previdência social é o maior programa de inclusão social da mulher no Brasil. Por isso, nós, mulheres, vamos liderar a luta contra a reforma da previdência, que, como pode ser visto a seguir, é o massacre dos direitos das mulheres brasileiras, das cidades e do campo. Vamos apoiar e participar de toda forma de luta: passeatas, greves, pressão sobre os deputados e deputadas federais e senadores. Podemos vencer esta luta. Tenho convicção desta possibilidade”.

Mais dois anos na idade e mais cinco anos de contribuição para mulheres urbanas que se aposentam por idade. Mulheres urbanas mais pobres se aposentam atualmente por idade aos 60 anos, com 15 anos de contribuição. Dos 10,471 milhões de aposentados por idade no INSS, 6,563 milhões são mulheres (63% do total) e 3,896 milhões são homens (37% do total). Em valores globais, a Previdência Social pagou, em 2017, R$ 128,218 bilhões com as aposentadorias por idade, sendo R$ 79,036 bilhões às mulheres (62% do total) e R$ 49,018 bilhões aos homens (38% do total).  Pois bem, neste tipo de aposentadoria fundamental para as mulheres, a reforma da Previdência prevê duas mudanças: a elevação da idade mínima de 60 anos para 62 anos; a elevação do tempo de contribuição mínimo de 15 anos para 20 anos.  Dados da Previdência, divulgados pela Folha, indicam que 40% das mulheres só contribuíam com o mínimo exigido legalmente de 15 anos. Exigir contribuição mínima de 20 anos exclui grande parte das mulheres urbanas da previdência, que têm grandes dificuldades de contribuição em função do desemprego, informalidade e baixa renda, que deverão crescer ainda mais com a precarização do trabalho da reforma trabalhista. Matéria da Folha mostra que esta exigência de 20 anos de contribuição é muito maior que em países europeus e Estados Unidos.

Mais 9 anos para quem se aposenta por tempo de contribuição ou pela Fórmula 85 (somatório de idade e de tempo de contribuição). As mulheres, sobretudo de classe média, se aposentam por tempo de contribuição aos 30 anos de contribuição ou pela Fórmula 85 (soma de idade e de tempo de contribuição). Neste tipo de aposentadoria, que tem o melhor valor, as mulheres são minoritárias: 1,961 milhão (32% do total) e homens são 4,080 milhões (68% do total). As mulheres têm acesso ao benefício, em média, aos 53 anos de idade, ou seja, serão 9 anos a mais de contribuição em relação aos 62 anos de idade prevista na reforma da Previdência. Para os segurados(as) que já estão no mercado de trabalho a reforma prevê regras de transição (três no INSS) e no setor público (uma regra apenas), mas tais regras por serem de transição curtas empurrarão grande parte das mulheres para a aposentadoria aos 62 anos ou próximo desta idade, especialmente aquelas que têm menos de 50 anos de idade.

Professoras dos setores público e privado: mais 10 a 15 anos de serviço e 5 anos a mais de contribuição. As professoras serão enormemente sacrificadas com a reforma da previdência. No setor público, elas se aposentam com 50 anos de idade e terão um acréscimo de 10 anos, para 60 anos de idade e, além disso, o tempo de contribuição passa de 25 anos para 30 anos. No INSS, professoras se aposentam com 25 anos de contribuição, sem idade mínima, e o tempo adicional de trabalho chegará a 15 anos em relação aos 60 anos previsto na reforma, além disso serão 5 anos a mais de contribuição. Existem regras de transição para os professores: duas no INSS e uma no setor público, mas são especialmente duras porque são de transição curta, o que empurrará grande parte das professoras para a aposentadoria aos 60 anos de idade ou próximo desta idade.

Mulheres rurais terão que trabalhar por mais 5 anos e terão que comprovar 20 anos de contribuição individual. As mulheres rurais serão especialmente sacrificadas com a reforma da previdência. Elas se aposentam atualmente com 55 anos e com comprovação de 15 anos de atividade rural no período que anteceder a aposentadoria. Das aposentadorias por idade, 6,413 milhões são rurais, sendo as mulheres amplamente majoritárias: 3,896 milhões (61% do total) e homens têm 2,505 milhões de aposentadorias (39% do total). A reforma da previdência faz duas modificações para as mulheres: a idade passará de 55 anos para 60 anos, com cinco anos de acréscimo, e o tempo de atividade rural será substituído pela contribuição individual por 20 anos. É o fim da aposentadoria rural, já que a maioria dos rurais, mulheres e homens, tem pouca ou nenhuma capacidade contributiva. Não é verdade que os rurais não pagam previdência. Cerca de 2/3 da contribuição para a previdência é feita pelas empresas, é repassada aos preços, e paga por toda a população.

Mulheres perdem também com as mudanças na aposentadoria das pessoas com deficiência. Pela legislação atual, pessoas com deficiência se aposentam por idade – 60 anos de idade, se homem, e 55 anos de idade, se mulher, com 15 anos de contribuição como pessoa deficiente; por tempo de contribuição, de acordo com a intensidade da deficiência, classificada em leve, moderada e grave, com tempos diferentes para homens e mulheres. A reforma da previdência acaba com a aposentadoria por idade das pessoas com deficiência e unifica a aposentadoria por tempo de contribuição entre homens e mulheres. Pelas regras atuais, a mulher com deficiência leve precisa ter 28 anos de contribuição. Com a reforma, precisará ter 35 anos de pagamentos ao INSS. São sete anos a mais do que o exigido hoje. Para deficiência em grau moderado, será necessário contribuir um ano a mais. Já para a deficiência grave não haveria mudança para elas.

Mulheres, com nova regra de cálculo da aposentadoria, serão mais arrochadas ainda que os homens. O cálculo da aposentadoria será piorado por duas razões: a) a média salarial deixará de considerar os 80% dos melhores salários e passará a considerar todos os salários, os melhores e os piores; b) o valor da aposentadoria corresponderá a 60% da média aritmética, com acréscimo de 2% para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20  anos de contribuição, até atingir o limite de 100%. Assim, a aposentadoria será de 60% com 20 anos de contribuição; 62% com 21 anos de contribuição; 64% com 22 anos de contribuição e somente será de 100% da média salarial aos 40 anos de contribuição. As mulheres serão duramente prejudicadas, pois se exercerem o direito de se aposentarem três anos mais cedo que os homens perderão 2% para cada ano antecipado.

Reforma acaba com reajuste pela inflação e mulheres, por serem a ampla maioria dos beneficiários, serão as mais prejudicadas. A Constituição Federal, em seu artigo 201, prevê o reajuste pela inflação, que é concedido aos aposentados e pensionistas todo mês de janeiro: “É assegurado o reajustamento dos benefícios para preservar-lhes, em caráter permanente, o valor real, conforme critérios estabelecidos em lei”. A reforma da Previdência sumiu com duas palavrinhas chave, a manutenção do “valor real” dos benefícios, o que acaba com a garantia constitucional de reajuste para os aposentados e pensionistas do INSS. As mulheres serão duramente prejudicadas, pois representam 56% dos beneficiários do INSS.

Pensão por morte será fortemente reduzida, o que vai atingir especialmente as mulheres brasileiras. De acordo com dados do IBGE, as mulheres brasileiras vivem, em média, até os 85,1 anos e os homens até os 81,9 anos (isto considerando a expectativa de vida aos 65 anos). Por terem maior expectativa de vida, as mulheres são as maiores destinatárias da pensão por morte previdenciária. No INSS, dos 7,675 milhões benefícios de pensão por morte, 6,085 milhões são para mulheres (4,545 milhões no meio urbano e 1,539 milhão no meio rural), ou seja, as mulheres representam 79% dos pensionistas. Já os homens são 1,237 milhão de pensionistas (21% do total). Em valores globais, a Previdência Social gastou, em 2017, R$ 114,169 bilhões com pensões por morte, sendo R$ 94,463 bilhões às mulheres (83% do total), R$ 15,705 bilhões com os homens (14% do total) e R$ 4 bilhões são ignorados. A pensão por morte na reforma da Previdência será arrochada cinco vezes: a) arrocho da base de cálculo que é a aposentadoria; b) redução dos percentuais de 100% para 50% mais 10% por dependente; c) fim da reversão das cotas da pensão dos dependentes que se emanciparem; d) desvinculação do salário mínimo; e) restrições ao acúmulo de benefícios de pensão e aposentadoria. Vale lembrar que a pensão agora é temporária para os cônjuges, sendo vitalícia somente se a mulher tiver 44 anos ou mais de idade. Depois de todos estes arrochos, a pensão poderá ser reduzida a 15% a 30% do salário.

Reforma da Previdência prevê pensão por morte inferior ao salário mínimo e isto será dramático para as viúvas mais pobres. Em relação à pensão, os técnicos do governo analisaram o seguinte: não teriam como reduzir a pensão dos dependentes dos milhões de aposentados e trabalhadores da ativa que recebem o salário mínimo ou um pouco mais, já que a pensão, constitucionalmente, é atrelada ao salário mínimo. Aí fizeram uma mudança drástica, sem anúncio e alardes: desvinculam as pensões do salário mínimo, podendo uma viúva pobre, depois de todos os arrochos, receber apenas R$ 300,00 a R$ 400,00 de pensão. Este é um dos aspectos mais antissociais da reforma da Previdência que precisa ser barrado.

Restrições ao acúmulo de pensões e de aposentadoria e pensão também afeta mais as mulheres. Como são as mulheres as principais destinatárias da pensão por morte serão elas também as maiores prejudicadas com as restrições ao acúmulo de benefícios. Prevê a reforma da Previdência: na hipótese de acumulação prevista legalmente, é assegurado o direito de recebimento do valor integral do benefício mais vantajoso e de uma parte de cada um dos demais benefícios, apurada cumulativamente de acordo com as seguintes faixas: I – 80% do valor igual ou inferior a um salário-mínimo; II – 60% do valor que exceder um salário-mínimo, até o limite de dois salários mínimos; III – 40% do valor que exceder dois salários mínimos, até o limite de três salários mínimos; e IV – 20% do valor que exceder três salários mínimos, até o limite de quatro salários mínimos. Os critérios previstos serão aplicados às acumulações que ocorrerem após a data de promulgação da Emenda à Constituição.

BPC da LOAS, onde mulheres são maioria, será reduzido para R$ 400,00 e acaba o BPC para o segundo idoso da família. O BPC da LOAS é muito importante para as mulheres mais pobres, que não conseguem se aposentar pela Previdência Social. Dos 4,683 milhões de benefícios assistenciais, 2,465 milhões são concedidos às mulheres e 2,214 milhões aos homens; se considerarmos somente o benefício do idoso, as mulheres são 1,194 milhão e os homens 827 mil. A reforma da previdência, se aprovada, destrói o BPC da LOAS, que é concedido aos idosos pobres e pessoas com deficiência: a) a renda mensal do idoso de 1 salário mínimo será reduzida para apenas R$ 400,00 aos 60 anos de idade, atingindo o  mínimo somente aos 70 anos de idade; b) acaba o direito ao BPC da LOAS para o segundo idoso da família, uma conquista do Estatuto do Idoso, já que “o valor da renda mensal recebida a qualquer título por membro da família do requerente integrará a renda mensal integral per capita familiar”; c) as idades previstas serão ajustadas a cada quatro anos.

Todos os demais pontos da reforma da Previdência também afetam as mulheres. Outros pontos da reforma da Previdência também atingem em cheio as mulheres. É o caso da mudança no Abono Salarial PIS-PASEP: a) ele é pago atualmente a quem recebe até dois salários mínimos, e, na reforma da previdência, o benefício será pago apenas a quem receber até 1 salário mínimo; b) ou seja, o trabalhador que receber R$ 1,00 acima do salário mínimo, R$ 999,00, até dois salários mínimos, R$ 1.996,00, perderá o direito ao Abono Salarial; c) de acordo com dados divulgados pelo portal UOL dos 25 milhões que têm direito cerca de 23 milhões de trabalhadores perderiam o direito ao benefício. Como existe um grande número de mulheres na faixa de 1 salário mínimo ou pouco acima, esta proposta deverá retirar o direito de um grande número de mulheres.(...) Na aposentadoria por invalidez também o governo propõe a fórmula esdrúxula da “aposentadoria por invalidez por tempo de contribuição” que pune quem se invalidar ainda jovem, pois a aposentadoria será calculada a base de 60% da média salarial mais 2% por ano de contribuição. Se a trabalhadora ficar inválida ainda jovem, com até 20 anos de contribuição, o valor da aposentadoria será de 60% da média salarial.

Privatização/capitalização da previdência, como no Chile, será um retrocesso monumental para as mulheres. O único benefício garantido na previdência privada é o programado de idade avançada, o que, no Chile, é de até R$ 833,00 para 90% dos trabalhadores. A previdência privada, na aposentadoria, baseada o cálculo na capitalização uniformiza a idade entre homens e mulheres, ou seja, se a mulher quiser se aposentar mais cedo que o homem receberá um valor menor. E a previdência privada não aponta nenhuma garantia mínima nos casos de doença, invalidez, e no caso específico das mulheres, da proteção à maternidade e morte do segurado, ficando as trabalhadoras completamente dependentes do apoio dos familiares nestes eventos.