Vinícius Campos: Da paráfrase de Goebbels ao copo de leite: uma mensagem através de uma retórica banal

04/06/2020 | Cultura política

Olá meus caros! Estou eu aqui mais uma vez escrevendo para vocês. Como sempre, aviso que não sou nenhum acadêmico formado. Sou somente uma pessoa que, de vez em quando, escreve sobre fenômenos interessantes que acontecem no Brasil e no mundo. Hoje mostrarei uma pequena trajetória ideológica do governo Bolsonaro; que cada dia se torna mais extrema, na medida em que sua popularidade desaba, flertando, inclusive, com os chamados “alt rights” americanos, que podemos claramente classificar como nazistas. Algumas atitudes, retóricas, discursos, e até elementos de sua campanha ilustram um certo jogo com o extremo inaceitável, e hoje apontarei alguns deles.

Certa vez, quando ainda estava estudando na UFMG, me matriculei em uma disciplina chamada “análise de discurso”. Infelizmente, devido a problemas pessoais, não cheguei a fazer a matéria por inteiro. Entretanto, mesmo com poucas aulas que tive, consegui entender um fato: na comunicação, nada é por acaso. A escolha de cores, de vozes, de pessoas, é feita de forma meticulosa para garantir que nós, meros mortais, comecemos a desejar algum produto. Um exemplo bem radical é a campanha do “compre baton”, de 1992. Assistir a essa propaganda te faz pensar que a tela está tentando te hipnotizar.

Hoje, devido a uma série de legislações e regras com relação ao marketing, a criação dessas sensações e desejos continua existindo, mas de forma infinitamente mais intrínseca e quase imperceptível. Um ótimo exemplo são as propagandas de empresas de fast-food grandes, em especial o McDonald´s (que basicamente criou o conceito de fast-food). O uso da paleta de cores que varia do amarelo, que visa transmitir estímulo, acompanhada do vermelho, que dá a ideia de calor, de movimento, nos dá uma sensação de desejo pelo produto alimentício. A paleta de cores dessa propaganda basicamente nos faz ter uma real vontade de comer, para nos sentirmos saciados. E não, isso não é uma invenção da minha cabeça. Existem estudos de um ramo chamado psicologia das cores que é intrinsecamente ligado às propagandas modernas. Devido as legislações atuais, o McDonald´s não pode criar uma propaganda tão agressiva como o “compre baton”. Ele usa de elementos quase imperceptíveis, mas extremamente relevantes para influenciar o subconsciente do consumidor. E vamos ser realistas também ao entender que propaganda custa caro, tanto para fazer quanto para transmitir, e com tanto investimento é necessário que haja o máximo de garantias para bons resultados, mesmo que sejam as mais ínfimas e imperceptíveis aos olhos dos espectadores.

“OK, mas o que Mc Donalds tem a ver com Bolsonaro supostamente estar flertando com integralistas/nazistas? ”. Essencialmente tudo. Movimentos nazistas e supremacistas existem em todos os cantos do mundo. No caso do Brasil, mesmo no auge da Segunda Guerra Mundial, antes do Brasil governado por Vargas aderir aos aliados, o governo flertava também com o nazifascismo. Vargas deportou a revolucionária Olga Benário Prestes para a Alemanha nazista, como um mero aceno à Hitler, além de até certo ponto permitir a existência do integralismo, uma espécie de fascismo brasileiro. Hoje, esses movimentos supremacistas não saem na luz do sol estampando suas suásticas e suas bandeiras, mas utilizam de símbolos para conseguirem comunicar entre si.

Seus símbolos são desde retóricas e expressões populares, até o uso de bandeiras nacionais menos conhecidas pela população. No Brasil, a expressão que marcou o integralismo é “anauê”, uma palavra da língua Tupi, usada inicialmente pelo movimento de escoteiros durante o início da década de 20, e que posteriormente foi incorporada como saudação do movimento integralista.

Bolsonaro já flertou diversas vezes com a ideologia nazifascista, porém usou de formas bastante subentendidas. Usando elementos dentro de uma determinada mensagem que podem ser captados de forma clara por apoiadores de ideais extremos. Começando por seu lema de partido Aliança pelo Brasil “Deus, Pátria e Família” que é EXATAMENTE o lema do movimento integralista da década de 30, sem sequer mudar a ordem das palavras. Outro ponto importante é a ideia de um messianismo nacionalista, no qual o interesse da nação sobrepõe o interesse do indivíduo. A individualidade é irrisória, e tudo e todos têm que servir em torno do interesse da nação.

Outro acontecimento, dessa vez infinitamente mais perceptível, foi a paráfrase do discurso do nazista Joseph Goebbels feita pelo então secretário especial da Cultura Roberto Alvim. Joseph Goebbes basicamente foi o gênio da propaganda que alavancou a retórica de Hitler e do Nazismo, criando, assim, um movimento que transcendeu, e muito, a expectativa de crescimento dos outros líderes internacionais nos períodos da segunda guerra. Além de elementos visuais posicionados exatamente da mesma forma que Goebbels, como a foto do seu líder no ponto centralizado do vídeo e acima de sua cabeça, o uso de roupas formais, houve também citações claras ao discurso nazista. A primeira citação que irei mostrar foi feita por Roberto Alvim: “A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional, será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional, e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes do nosso povo – ou então não será nada.” E agora a segunda citação feita por Joseph Goebbles : “A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande páthos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada." O vídeo de Alvim contém aproximadamente três minutos, e possui diversas referências claras ao discurso do gênio da propaganda nazista.

O uso da frase “o trabalho liberta” em uma propaganda oficial do governo feita pela Secom, foi outro evento muito marcante. A frase está localizada no portão do campo de concentração de Auschwitz, um dos mais, se não mais famoso local de extermínio de pessoas criado pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. A propaganda da Secom estabelecia uma crítica direta aos governadores que aplicavam medidas de isolamento social em meio a atual pandemia de covid-19.

Porém, os dois acontecimentos mais recentes onde Bolsonaro mostrou um certo aceno para grupos extremistas aconteceram em seu próprio perfil no Facebook. O mais recente foi um vídeo compartilhado em seu perfil oficial, a frase "Melhor viver um dia como leão que cem anos como cordeiro", famosa por ser atribuída principalmente ao ditador fascista Benito Mussolini. O vídeo foi postado após Bolsonaro ter participado de manifestações pró-governo no dia 01/06/2020. E, por fim, na minha opinião, o aceno mais sútil foi durante uma live realizada também no dia 01/06, quando Bolsonaro, o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, e o secretário de Agricultura e Pesca, Jorge Seif Júnior, brindam um copo de leite para supostamente comemorar o Dia Internacional do Leite. Mas qual a relação de leite com nazifascismo?

Como eu disse no início do texto, os nazistas não saem à luz do dia com suas suásticas para fazer uma festinha numa praça pública. Todos sabem o peso da suástica na história recente. Para contornar esse problema, diversos grupos adotam simbolismos detectáveis somente entre eles mesmos, e um dos mais curiosos é o leite. Existe uma tendência mundial de aumento de intolerância à lactose, devido a uma série de fatores genéticos. Porém, dentro da cabeça louca dos extremistas, os brancos possuem menos intolerância a lactose que os negros e isso é interpretado como um sinal de comprovação de superioridade genética. Então, em seus eventos e encontros realizados sob a luz do dia, em vez de portar suásticas, bandeiras e outras coisas reconhecíveis, os extremistas usam o leite como símbolo (parece uma besteira de nível absurdo, mas isso é verdade. Existem muitas fotos de manifestações extremistas onde pessoas portam galões de leite aos montes).

Nada na comunicação é por acaso. Comunicação custa caro, propaganda também custa caro. Tudo que existe em uma propaganda tem algum sentido, TUDO. Isoladamente, talvez nenhum desses acontecimentos possa criar uma preocupação relevante sobre uma onda extremista no Brasil (talvez a paráfrase do Goebbles sim), mas a partir do momento em que tantas “coincidências” acontecem em tão pouco tempo, não há possibilidade de afirmar uma desculpa sem pé nem cabeça para justificar um discurso. Eu gostaria de encerrar esse longo texto com um pequeno fato histórico: durante a ascensão de Hitler ao poder, diversas empresas e organizações ajudaram Hitler, tanto politicamente quanto financeiramente. A Associação de Judeus Nacionais Alemães até mesmo votou em Hitler e no seu partido. Pensavam que seus discursos antissemitas serviam meramente para inflar as massas. Mas no fim, essa associação foi declarada ilegal e foi perseguida pela Gestapo (uma polícia nazista da época). Eu estou dizendo isso com um propósito: no fim, ser aliado do monstro não vai te dar garantia de ser salvo quando ele vencer. Lembrem sempre disso.