Vinicius Campos: “Bolsonaro e Maduro: desejo pela autocracia”

31/10/2019 | Política

Antes de qualquer outra coisa, devo dizer que esse texto não foi escrito por um especialista, ou um economista, ou um historiador, ou qualquer título do gênero. Sou meramente um ex-aluno do curso de Geografia da UFMG, e futuro aluno do curso de História. Meu objetivo é traçar um paralelo entre o governo de Nicolas Maduro e Bolsonaro, contextualizando a história recente de ambos, com o objetivo final de demonstrar que este governo, que surgiu com a premissa de combater o socialismo, e impedir o Brasil de se tornar uma Venezuela, na verdade, a cada dia se torna mais próximo dela.

Primeiramente, o que é autocracia? Autocracia é basicamente um governo onde uma pessoa só tem controle de tudo. Não existem instituições, não existe divisão de poderes. O legislativo, o executivo e o judiciário são propriedade do autocrata. Um exemplo de autocracia, ao menos dentro do meu entendimento histórico, seriam os Estados Absolutistas formados no final da idade média transitando para a Idade Moderna, onde os reis tinham controle de todo o Estado, como foi o caso de Portugal e da Espanha. Oposição? Presa, torturada, morta, silenciada. O Observatório de Direitos Humanos já configura o Brasil como país governado por líderes autocratas, porém, neste artigo, pretendo demonstrar que talvez ainda não chegamos nesse ponto. (Sim, eu sei que não sou doutor em nada, só estou dando minha opinião de forma racional, aberto à discussões).

Antes de começarmos a contextualizar a situação histórica de ambos os governos, é necessário dizer um fato, que aparentemente os bolsonaristas não conseguem entender: é um absurdo comparar um governo democrático com uma ditadura só por supostamente serem de “esquerda”. Seguindo a lógica Bolsonarista, onde qualquer governo de esquerda (mesmo aqueles eleitos democraticamente, como é o caso recente da argentina, ou os governos petistas no Brasil) representam a Venezuela, posso muito bem afirmar que qualquer governo de direita representa o Hitler/nazismo (e antes que alguém comente, não, Hitler não era de esquerda, e se você acredita nisso, só posso dizer que tenho pena de você). Ambas as afirmações são completamente absurdas, são reducionistas a um ponto onde nem sei se vale a pena discutir com o ser humano que acredita nisso.

Primeiro, é importante ressaltar alguns fatos: A Venezuela é um país extremamente rico, porém, com uma economia extremamente dependente de um commoditte, no caso, o petróleo. As reservas de petróleo em subsolo venezuelano são as maiores do mundo; maiores até mesmo que dos países árabes, de acordo com dados fornecidos pela OPEP (organização dos países exportadores de petróleo). Porém, devido à geologia local, o custo de produção do petróleo na Arábia saudita chega a ser três vezes menor que na Venezuela (9 dólares por barril na Arábia, 27 dólares na Venezuela, dados disponíveis na BBC) e devido aos embargos econômicos dos EUA, há uma falta de tecnologia para que haja uma extração rápida e eficiente, além da falta de parceiros comerciais e de mercados consumidores.

A crise Venezuelana efetivamente começou quando o petróleo e outros produtos começaram a perder valor de forma drástica. Hoje, um barril de petróleo gira em torno de 50 a 60 dólares (considerando a flutuação anual). Em 2008, antes da crise do subprime, mais conhecida como crise dos imóveis, que levou diversos bancos do mundo à falência; estava mais de 130 dólares. A crise das commodittes , a alta oferta de petróleo, junto ao embargo americano, e ao alto custo de produção do petróleo, destruiu completamente a economia Venezuelana. Maduro, enquanto ditador, estava segurando uma bomba. Historicamente, para uma ditadura não se desmantelar, ela necessita sempre de crescimento econômico, para realizar um contrapeso com a falta de democracia. O preço do principal produto de exportação despencou, a um ponto onde não há dinheiro suficiente para a compra de gêneros alimentícios básicos (apesar de que houve também boicotes por parte de supermercados, mas isso é outra história), os programas sociais de transferência de renda foram prejudicados; e no final, Maduro dividiu não só a Venezuela, mas o mundo inteiro em dois polos: os aliados, que estarão com ele até o fim, e os inimigos, compostos por basicamente qualquer ser humano ou governo que se oponha a algum aspecto do seu regime.

Antes de detalharmos quais as semelhanças entre Bolsonaro e Maduro, primeiro devemos recapitular um pouco do histórico da crise brasileira. Não sou sectário em afirmar um fato:  Dilma errou, e muito. A bola passou muito longe do gol. Apesar da existência de vários fatores naturais e globais que desmantelaram seu governo;  como a crise hídrica entre 2014-2016, chegando a um ponto onde se divulgava que não haveria água em São Paulo caso a situação não fosse controlada, devido ao nível do sistema Cantareira; a necessidade do uso das termelétricas para produção de energia, elevando a conta de luz; a queda do preço das commodittes, afetando não somente o petróleo, mas diversos gêneros agrícolas do Brasil; a aposta que Dilma fez ao desonerar, desde o seu primeiro governo, uma série de impostos para empresários, causando uma perda de mais de 450 bilhões de reais em impostos, entre 2011 até 2018, foi simplesmente um desastre. O governo se desestabilizou politicamente e economicamente. O impeachment ocorreu, Temer assumiu o governo. Com sua agenda liberal, Temer aprovou o polêmico teto de gastos, a reforma trabalhista (que dentre diversos impactos, aumenta ainda mais a rotatividade do trabalhador brasileiro, através de contratos intermitentes). Por fim, após uma eleição onde Bolsonaro provou que nada pode ser subestimado quando se trata do histórico da direita populista chegar ao poder, ele entra como Presidente, iniciando seu mandado em 2019.

Bolsonaro, de modo razoavelmente inteligente, conseguiu montar uma base utilizando de um discurso antipetista radical. Absolutamente tudo o que aconteceu ou acontece no planeta tem relação direta ou indireta com o PT. A peste negra na Idade média foi culpa do PT, a crise de 1929 foi culpa do PT, o aquecimento global é culpa do PT. Absolutamente todos os problemas nacionais e internacionais são culpa dos governos de esquerda, e ele, o salvador da pátria, iria reorganizar esse país. Com uma frase de efeito que remete ao ufanismo da ditadura, “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos”, Bolsonaro capitalizou uma base religiosa moralista, uma base composta por indivíduos da classe média descontentes com as medidas sociais (vulgo esmolas) dos governos petistas, militares, e empresários; todos juntos em um discurso de combate a corrupção, aos privilégios, ao comunismo, aos petistas.

Porém, Bolsonaro recentemente percebeu que existe uma diferença muito grande quando se é um deputado em meio a outros quinhentos, e quando se é o presidente da república. Absolutamente todas as suas falas são repercutidas, não só nacionalmente, como internacionalmente. Semelhante ao segundo governo da Dilma, este enfrenta uma série de crises ambientais gravíssimas, com a diferença que estas são causadas exclusivamente por sua estupidez; ao desmantelar o sistema de fiscalização ambiental, criou condições para a ação de criminosos ocorrer de forma explosiva na Amazônia, ganhando inclusive destaque internacional pela falta de competência do governo em combater os focos de incêndio, ou demonstrando completa ineficiência de gestão em relação ao derramamento de óleo que ocorre no litoral nordestino (e também no sudeste, mas em menor escala).  Suas recentes discussões com o próprio partido, com áudios do próprio líder do partido na época, delegado Waldir, clamando que irá “implodir o Bolsonaro”, chamando-o de “vagabundo”, demonstram a canibalização de sua base de governo.

Com relação à política externa, o Brasil virou uma piadinha de mal gosto de um programa de televisão da sessão da tarde.  Uma completa submissão burra aos EUA (que por sinal, não está absolutamente nem ai para o Brasil), ao ceder a base de Alcântara, e ao ceder benefícios da OMC para um dia quem sabe, talvez num futuro distante, conseguir ser indicado pelo Trump para entrar na OCDE. Ou então, ir em uma reunião com empresários árabes em Abu Dhabi, sem um tradutor (ou seja, ficou sentado com cara de paisagem, sem entender absolutamente nada do que estava acontecendo). Em sua visita ao oriente médio, Bolsonaro também se reuniu com o príncipe saudita Mohammed bin Salman, acusado de ser o mandante do assassinato do jornalista Jamal Khashoggi, promover um “apartheid” contra mulheres e homossexuais, além de proibir sinagogas e igrejas. (É irônico o ser humano gritar aos céus contra Venezuela, Cuba, e fechar um acordo comercial com um ditador árabe).

Efetivamente, Bolsonaro se encontra na mesma posição de Maduro. Isolado do planeta, canibalizando a sua própria base de eleitores, e a base de seu partido. A única opção que lhe resta é criar uma divisão exatamente igual a de Maduro: Uma divisão entre apoiadores sectários e qualquer outro indivíduo, organização, partido, governo, que vá contra seus interesses. Isso é evidente no vídeo divulgado em seu Twitter, gerando uma repercussão negativa tão grande, que chegou a ser excluído, onde Bolsonaro é um leão, sendo atacado por um grupo de hienas, que representam o PT, a Veja, A Globo, as feministas, o próprio PSL, a Ordem de advogados do Brasil, a CUT, a lei rouanet, a Folha e a ONU para no final, ser salvo por um grupo de leões denominados como “conservadores patriotas”.

Bolsonaro e Maduro possuem um desejo em comum:  formação de um governo autocrático. Um governo onde ambos fazem o que quiser, quando quiser, sem o supremo tribunal interferir, sem a câmara dos deputados interferir. Um sonho onde ambos poderão, em seu reino mágico de contos de fadas, salvar seu país do inimigo imaginário (seja os EUA no caso de Maduro, ou os comunistas no caso de Bolsonaro), criado somente para levantar uma base de apoiadores. Ambos querem ser uma espécie de Messias que traga a verdade incontestável, e onde o povo, por falta de opção em quem acreditar, os sigam de forma cega, pois não há nenhuma outra opção. É irônico terminar este texto com uma constatação: apesar de Bolsonaro e seus apoiadores gritarem com todas as forças que jamais seremos socialistas, que jamais seremos uma Venezuela; o Brasil nunca esteve tão próximo de se tornar igual a ela.